sexta-feira, 30 de julho de 2010

O SALTO DA TRISTEZA


O vento ali soprava como se viesse do céu, abençoando o clima lúcido e perfeito de um entardecer que somente em lugares como aquele podia ser visto. O crepúsculo se assaltava aos olhos do jovem casal que ali ia chegando, tão apaixonados, tão felizes...

Geremi ajudava Mary a subir O Grande Morro das Gaivotas situado no extremo da praia que levava o mesmo nome do morro. Iam subindo com o pouco fôlego que ainda restava em seus pulmões, mas a sensação de ver aquele lugar e estar presente ali, àquele momento, já era o suficiente para que o sorriso não sumisse de seus rostos. A maresia, o vento suave, a brisa leve e o resto de sol que acariciava seus corpos, iluminavam o caminho que ambos percorriam até chegar ao topo do morro.

Lá no alto Geremi sentiu que a vida realmente era linda e bela de se viver. A sua frente a imensidão do mar se desenhava com total exuberância e por algum segundo ele sentiu aquela nervosa vontade de chorar. Os poucos raios de sol, que ainda sobreviviam ao cair da noite, iluminavam seus rostos e traziam frescor ao casal que ali se encontrava. Mary chegou junto do namorado e o abraçou.

— Que lindo isso.

Ele sorriu e disse em tom de melancolia:

— Sabe Mary, são esses e outros fatos que me fazem pensar que a vida é tão linda. Eu aqui, de frente para esse mar maravilhoso, junto de você, olhando o pôr-do-sol, sentindo a brisa e a maresia nos abraçar...

Mary fez a volta e ficou de frente para ele, olhou-o dentro dos olhos e disse com toda a sinceridade do mundo:

— Geremi, eu te amo!

Ele fitou-a e o silêncio se fez entre eles. A única coisa que se podia ouvir era o sussurrar das ondas as suas costas e o vento que girava em torno deles. Ele estava calado e queria contar logo aquela notícia que ele não agüentava mais guardar somente para si.
Era a hora. O clima era propício — junto ao mar, ao crepúsculo, ao vento, a ela.

— Mary, eu tenho uma coisa para lhe contar — disse Geremi.

Ela sorriu.

— Pode dizer, meu amor.

Ele não conseguia continuar. Baixou a cabeça e deu um riso irônico. Buscou forças, ergueu a cabeça e uma lagrima escapou de seus olhos. Geremi começou a chorar. Começou a chorar como uma criança e buscou amparo nos ombros de Mary.

— Eu... — ele tentou continuar.

— Acalme-se Geremi — ela estava ali para lhe dar força.

Mas dessa vez ele falou.

— Eu fui ao médico ontem... o diagnóstico foi positivo — suspirou antes de dizer aquelas malditas palavras. — Eu tenho câncer.

As lágrimas rasgaram ambas as faces.

— Tenho pouco tempo de vida. Eu vou morrer.

Mary abraçou-o com toda a força do mundo. Deu apoio e força para ele e viu que Geremi parecia um homem acabado. Triste e lavado em lágrimas, ele se desprendeu dela e correu até a ponta do penhasco. Ela gritou e foi atrás. De nada adiantou.
Geremi, inconformado com o diagnostico, pulou do penhasco e caiu em meio às pedras pontiagudas que eram constantemente chicoteadas pelas ondas vindas do mar, antecipando o seu final. Despedaçada em lagrimas, Mary caiu de joelhos, sem forças.

terça-feira, 27 de julho de 2010

SOBRE A LÁPIDE ETERNA


A noite cuspia uma fina garoa que levemente ia molhando as ruas e lápides do cemitério. O nevoeiro transpassava os esguios gravetos das árvores desprovidas de folhas do inverno triste e melancólico. Havia vento, sim, mas também havia escuridão, que só podia ser rasgava pelas fracas luzes âmbares vindas dos postes das ruas do cemitério negro. Cruzando o portão, Anne andava sozinha naquela escuridão sem fim, sendo observada por almas, túmulos e santos que, inertes, cuidavam da sua silhueta que começava, agora, a chegar ao local desejado. Sua beleza incomum, adversa ao avulso espetáculo daquela noite, somente aumentou com a lágrima salgada que começava a rasgar seu rosto liso quando visualizou a lápide. A lápide gélida do seu namorado Thomas.


***


O amor que Thomas e Anne promoveram foi digno de um romance esplendido. Amaram-se como poucos amantes um dia souberam se amar. Nas noites frias de inverno ou nas ardentes de verão, lá estavam eles, unidos, dispostos a derramarem o nítido frescor de um mundo imaginário e sutil, recheado com o olhar magnífico do amor e seus pecados.


Conheceram-se em uma noite negra e feliz. Ele era um adorável músico, que preenchia suas noites em um bar, onde tocava todos os finais de semana. Thomas era vocalista de uma banda de rock e se tinha uma coisa que o deixava feliz, era cantar. Porém, numa noite qualquer, ele haveria de sentir o seu coração pulsar com maior velocidade ao perceber que talvez o amor, de fato, lhe observava em alguma mesa daquele bar, bebendo Martini. Era Anne, sorrindo para ele, extasiada ao vê-lo tão belo. Thomas encantou-se subitamente pela jovem mulher de cabelos negros como a escuridão, pele tão branca como a neve e olhos tão vivos como o mar banhado pela lua de prata na alta madrugada.


Foi naquela noite que eles ficaram juntos pela primeira vez. Anne, a mulher jovial que trabalhava em uma loja de calçados e Thomas, um roqueiro apaixonado pela música. Um casal lindo. Um casal que se completava, que se amava e que vivia num mundo de imaginação criado por eles mesmos, onde apenas o amor e a paixão os sustentava.


Ficaram juntos por quase cinco anos, vivendo dias de ouro, promovendo noites de música, amor e segredos. Porém, quando um dia, assim tão rapidamente, Thomas voltava de uma apresentação, a maldição da dor e da desgraça haveria de romper o laço afetivo criado entre os dois. A Van que conduzia a banda abalroou-se com um caminhão e todos os quatros componentes morreram, inclusive ele, Thomas.


***


Agora ali, sobre o túmulo do seu grande amor, chorando lágrimas de saudade pela perda de boa parte de sua vida, Anne ajoelha-se sobre a lápide que revela a foto de Thomas, sua data de nascimento e óbito, sua frase preferida e a mancha da saudade.


Anne olha para o seu, grita de dor, e lentamente começa a tirar algo de dentro do seu casaco. As lágrimas e a saudade a consomem, e ela, para acabar com essa dor, termina com a maldição da saudade ali mesmo. A lâmina da faca entra em seu peito, e Anne cai sobre o túmulo do namorado, banhando-lhe de sangue, matando-se de saudade. A névoa faz parte da cena e a fina chuva começa a cair sobre o corpo estendido e ensangüentado de Anne, morto sobre a lápide eterna do seu grande amor.