sexta-feira, 24 de maio de 2013

A OBSCURA CONSEQÜÊNCIA DO EXORCISMO



Numa das manhãs mais geladas daquele rigoroso inverno, um fato inexplicável abalou uma pequena cidadezinha interiorana com pouco mais de vinte e cinco mil habitantes. O acontecido, de fato, era um mistério, e ninguém, nem mesmo os mais estudiosos no assunto,
conseguiam entender os motivos ou, na pior das hipóteses, os segredos maléficos que ceifaram aquela vida.
           
Conhecido pelo seu magistral bom humor e ampla sabedoria, Pe Edgar era um religioso simples, humilde, que prezava pelos bons costumes, bondade e, principalmente, pela alegria em viver, não para si mesmo, mas para os outros. Freqüentemente organizava eventos simples, com o nobre intuito de arrecadar fundos para as famílias carentes, mendigos e pessoas desgovernadas que vagavam pelo mundo como se moribundos fossem. Era querido por todos, ricos ou pobres, e destacava-se, sem sombra de dúvidas, no acervo de pessoas santas que a cidade certamente velaria para o resto dos tempos.
           
Pe Edgar, porém, exercia outras funções além de suas missas diárias e dos eventos em prol da bondade mundana. O que ele exercia, sob os olhos de boa parte da comunidade, em total obscuridade e sempre à noite, sempre às escondidas, era a prática de exorcismo. Poucos sabiam desse seu dom, e na calada da madrugada, no silencio da noite tempestuosa e sombria, Pe Edgar, munido de sua mala, seu sobretudo e seu chapéu, deslocava-se até alguma rara residência em que seu serviço era solicitado.
           
Com o passar da idade, Pe Edgar foi perdendo as forças, e diante do desfile de anos que emolduravam sua vida, seus serviços foram diminuindo progressivamente, mas as conseqüências, em compensação, começaram a aumentar. Ele já havia visto quase de tudo na vida, em especial, presenças demoníacas encarnadas em outras pessoas. Mas, às vezes, pessoas que tentam perseguir o demônio acabam sendo perseguidas...
           
No dia anterior ao fato que chocou a pequena cidade, Pe Edgar foi até a igreja rezar algumas orações, mas, neste dia, algo estranho estava fora de ordem. Depois de proferir suas preces, Pe Edgar fez o sinal da cruz, abriu os olhos e avistou. A cruz do altar, que antes jazia de pé, na parede, exibia-se agora de cabeça para baixo.
        
— Me... Meu Deus! — disse a si mesmo, com a mão na boca. Benzeu-se, contemplou estupefato aquela cruz invertida e saiu da igreja aos tropeços.
        
À noite, Pe Edgar resolveu ir novamente até a igreja. Era quase meia-noite quando percorreu o caminho com certa tensão e, jogando o olhar para o altar, avistou-a. A cruz estava de cabeça para baixo. Perguntou-se – e tentou acreditar nisso – se estava delirando, se a idade o tornara insano a ponto de ser vítima das armadilhas das próprias visões.
        
Saiu correndo da igreja. Em casa, todas as cruzes jaziam invertidas, principalmente aquela que ficava sob a sua cama. Proferindo orações e mergulhado num medo jamais sentido, trancou a porta do quarto. Segundos depois, começou a sentir fortes dores no estômago. Levantou a camisa rapidamente e percebeu que aquela maldição agora lhe possuía. O horror e a dor estavam agora estampados em seu ventre, onde o sangue saia pelos poros sem motivo aparente. Pe Edgar amaldiçoou-se por estar vivendo aquilo e saiu do quarto, correndo em direção à igreja como um fugitivo, perdendo-se na noite, até ser encontrado pela manhã.
        
Quando o acharam, Pe Edgar estava dependurado numa sacada atrás da igreja, sob uma cripta onde muitas vezes proferiu missas. Enforcado. Aparentemente havia se suicidado, mas algumas pessoas até hoje não descartavam a possibilidade de que alguma entidade demoníaca tenha tido parte nisso, afinal, como Pe Edgar lidava com exorcismos, espantando demônios, não era de se duvidar que agora o demônio tenha vindo se cobrar.
        
Foi um dia triste, onde as lágrimas rolaram nos rostos de muitas pessoas. Pe Edgar deixou um belo legado e suas obras e ações ficaram para sempre estampadas na pequena comunidade que, indiscutivelmente, o amava. Seu túmulo, emoldurado numa linda lápide de mármore, se encontra em um pequeno canto da igreja, e freqüentemente é alvo de muitos devotos que o pintam como anjo e que, não raramente, recebe flores, orações e pedidos. 

sábado, 6 de abril de 2013

OS TESOUROS QUE GUARDO NA MALETA




Com passos lentos, pesados e tristes, entrei na estação com a cabeça ereta, olhar distante, olheiras enormes, carregando nos ombros o fardo da derrota, do fracasso e a sensação desgostosa de que nada mais parece fazer sentido para um homem quando perde um amor que julga ser verdadeiro e eterno.

Nas mãos eu levava uma maleta que continha apenas algumas coisas, pequenas coisas que qualquer leigo consideraria irrelevante, mas que para mim era de suma importância e apreço, com enorme significado sentimental. Além dessa maleta, um emaranhado de roupas trajava meu corpo. Nos pés usava um sapato marrom, que balbuciava tristonhos sons através do andar lento de meus passos. Usava também uma calça social negra e um paletó desbotado cor caqui. Um cachecol verde escuro cobria meu pescoço, protegendo-me do frio, e na cabeça uma boina bege completava meu traje maltrapilho que delatava minha desleixa, e só externava o que por dentro eu sentia.

Ao mergulhar na plataforma de embarque, percebi que minha única companhia era a solidão. Sentei num velho banco de madeira encostado parede, coloquei a maleta em meu colo, pus as mãos sobre ela para protegê-la e esperei. A névoa me vigiava com intensa obscuridade e as luzes da noite desenhavam figuras enigmáticas e fantasmagóricas com a participação especial do vento, que além de causar-me frio, também sabia trazer o rumor de uma noite de trevas. Ali, sentado e imerso no meu mundo que antecipava a partida, comecei a pensar nela e em tudo o que tinha vivido e, de certa forma, deixado de viver.

Conheci o meu grande amor quando a juventude de outrora ainda me proporcionava momentos de prazer. Naquela época tudo cheirava a guerra e até mesmo nos raros momentos de alegria, ela parecia não desgrudar de nossa alma. Foi no cair de uma chuvosa noite de sexta-feira que conheci Irina Steiner, um formosa moça alemã de cabelos louros e olhos azuis que me encantou desde o primeiro instante. Era apenas a primeira de muitas noites que viveríamos juntos, e graças a ela aprimorei o que de melhor eu sabia fazer.

Desde pequeno fui presenteado com o dom do desenho. Inicialmente eram rabiscos que somente minha mãe considerava bonito, mas como nas noites de solidão a única coisa que eu conseguia fazer era desenhar, com o tempo os rabiscos se tornaram traços em formas realistas e dignos de elogios. Lentamente comecei a viver desse oficio e, muito embora as parcas economias não me revelassem luxo algum, considerava aquele trabalho um processo de extrema felicidade, onde me sentia bem.

Irina tornou esses meus dotes melhores a partir do momento que comecei a desenhá-la, quando me requisitou o primeiro traço seu. Tenho certeza que todos os desenhos que fiz de Irina foram feitos com a alma de um desenhista que ama o que faz e para quem o faz.

A vida me furtou-a e hoje eu não pertenço mais a ela. Irina casou-se com outro homem. Surpreendi-me com o dissabor dessa notícia quando voltei de uma viagem longa, depois de viver anos com a minha falecida mãe. Sem compreender e impossibilitado de conviver com os fatos que agora me golpeava o peito, decidi, com lágrimas nos olhos, partir, sem rumo, com ela no meu coração e com ela diante dos meus olhos, através dos traços dos desenhos que trago como um tesouro dentro dessa maleta.

O barulho do trem se aproximando arrancou-me do meu devaneio. Levantei e me aproximei dos trilhos. Quando parou, a porta do último vagão se abriu para mim. Respirei fundo e olhei para os lados com a tola impressão de vê-la correndo em minha direção, como se um fio de esperança ainda permanecesse vivo. Sem visualizar nenhuma silhueta e nada além da névoa e do vento, entrei no trem e sentei na janela. Olhei para a maleta e a abri. Comecei a ver os desenhos que fiz de Irina Steiner e subitamente um turbilhão de emoções esbofeteou meu peito. Assim que vislumbrei o primeiro desenho – ela sorrindo para mim –, uma lágrima caiu sobre a folha. Parecia que um emaranhado de lágrimas começaria a riscar meu rosto, mas antes que eu pudesse perceber, assim que uma gota de água despencou e manchou o papel, as luzes da cidade sumiram e a escuridão da noite penetrou, como um intruso, não só no vagão, mas também em meu coração.

sábado, 2 de março de 2013

TRAGO-ME DE OUTRAS BANDAS


Trago-me de outras bandas

Para o teu sonho viver,

Para viver o teu sonho

E assim não deixá-lo morrer.



Neste imbróglio de emoções

Parto a esmo, sem direções

Com lágrimas cansadas a rolar

Sem objetivos a concretizar.



Minhas mãos travam sem dó

E eu não consigo para você escrever.

Aflito, comigo, desejo virar pó

Ou, se assim não for, esmorecer.



Mas para viver o teu sonho

Recordar do lado bom me proponho,

Esquecendo do nó que engana

Do riso triste e do vazio da cama.



O café, antes quente, agora esfria

As cores sumiram, veio o negror

Cobrindo minha visão de terror

Deixando a vida ainda mais sombria.



Aceita casar comigo, meu bem?

Ora, em meu caminho você entrou

E quero dar-te amor também

Do jeito que ninguém nunca amou.



O horizonte não tem perspectivas

As desesperanças engordam o nó

Que aperta o peito sem obter saída

E encurta a distância de estar só.



Para o teu sonho viver

Preciso estar em pé, sempre avante

Preciso ter forças, confiante ser

Afinal, trago-me de outras bandas.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

A TRISTE DOR DE UMA TRAGÉDIA*




Sim, um dia de janeiro para ser esquecido
Mas que esquecido, infelizmente, jamais será.
Muitos jovens e cada um com seu destino perdido
Relevando tristeza em quem não mais os verá.

Era para ser mais uma noite simples de alegria
Risos, amores, danças, encontro com amigos...
Mas a tragédia ceifou muitos dos envolvidos
Que agora deixam saudade, dores a cada dia.

Foram horas de dor, lágrimas e tensão
Corpos escapavam, corpos despencavam no chão.
Tantas almas, tantos sonhos e segredos morriam
Lentamente, também, as chamas consumiam.

Em casa, mães e suas preocupações
Pensavam no pior e faziam muitas ligações.
Alguns nunca mais iriam atender ao telefone
E os pais, logo depois sentiriam dor ao ouvir o nome.

Muitos corações silenciaram para sempre
E pares de olhos se fecharam sem despedida.
Não houve abraços nos pais, riso contente,
Beijos nos amores, carinho de irmão que briga...

O mundo sentiu a lágrima rolar pelo rosto
Pois cada um sabe como é perder quem se ama.
E na ânsia de ajudar de todas as formas o outro
É que se viu de longe um grande e horrendo drama.

As centenas de almas partiram para um bom lugar
E a quem fica, resta orar, averiguar, recordar.
Nunca será esquecido esse dia, nem aqui nem lá
E um Deus para confortá-los, sempre haverá.


* Este poema é dedicado a todas as vitimas da tragédia ocorrida na boate Kiss, em Santa Maria-RS, e a todos os sobreviventes, amigos, familiares e também a quem, de forma solidária, rezou, torceu e acompanhando cada detalhe dessa triste história que acabou com a vida de centenas de jovens.

domingo, 23 de dezembro de 2012

E O FIM DO MUNDO...





Não aconteceu!

É, se você está lendo esse texto é sinal que a teoria dos Maias não surtiu efeito e que todo o alvoroço criado em cima de um suposto apocalipse, não passou de mentiras.
 
Ora, muito se falou nos últimos dias sobre o final dos tempos, em como seria e em como aconteceria. Teorias foram criadas em cima disso, e a expectativa circulou em todos os meios sociais, políticos, culturais e também na mídia. Contudo, nenhuma delas se efetivou, e tudo não passou de conversa fiada.
 
Mas existiram pessoas que acreditavam nessa crença, e que criaram um universo próprio para esperar o fim. Uma dessas pessoas se chamava Elír Hoobin Von De Mitrus. Elír cuidou de todos os detalhes: estocou comida, água, roupas limpas e buscou um lugar seguro para se abrigar, um porão de uma casa abandonada, há poucos quilômetros do centro da cidade. Feita de madeira, a casa, carcomida pelo tempo, seria frágil para as adversidades que viriam, porém, o seu porão fora cuidadosamente revestido com fortes proteções que nem a mais forte das fúrias da natureza seria capaz de destruir. Assim, ao entardecer do dia 20, Elír Hoobin Von De Mitrus, sua espoca, Loríen e sua filha Catarine foram para a casa.

A tarde ia se indo quando finalmente eles entraram no porão. Elír trancou a porta e revestiu-a com fortes proteções. Dentro do buraco, algumas velhas forneciam luz à família, e enquanto Catarine se distraia com as bonecas, Elír e Loríen preparavam alguma coisa para comer.

O tempo abrigava algumas nuvens e a certeza de chuva era eminente. Cerca de duas horas depois de entrarem no porão, a chuva começou a cair. Havia uma pequena brecha onde se podia olhar para fora, mas Elír não se propôs a fazê-lo, sobre o pretexto de que nenhum ser humano haveria de olhar para fora quando a noite se anunciasse. Assim, após comerem qualquer coisa, Elír e sua mulher foram para um canto do buraco e começaram a rezar. Cada um tinha um terço entrelaçado nas mãos e as preces eram feitas com ferocidade, com pedidos de perdão e suplica.  

A noite já ia longe quando Loríen ouviu um estrondo. Ambos se entreolharam e agarraram-se um no outro, colocando Catarine entre eles. As orações soavam em altas vozes, enquanto lá fora o barulho ensurdecedor inundava seus ouvidos. De repente a vela se apagou. Catarine começou a chorar e o temor começou a tomar conta de suas almas. “Santo Deus, é o fim do mundo!”, pensou Elír, antes de abraçar fortemente a sua família, misturando seus prantos e seus anseios, suas ânsias e seus temores, até que finalmente, inundados de horror, seus olhos se fecharam.

Horas mais tarde, um pequeno feixe de luz adentrou o porão, iluminando diretamente os olhos de Elír. Ele os abriu, cautelosamente, e acordou sua mulher e sua filha. Abraçaram-se. Sem pensar muito, Elír correu para a porta, e com dificuldade e tensão, abriu-a. O sol era forte lá fora. A parte de madeira da casa havia sido parcialmente destruída, e fora isso, tudo estava dentro da normalidade. Pegou o celular e ligou para alguém. Sorriu assim que desligou. O mundo não havia acabado. Havia acontecido um temporal de grande proporcionalidade e ambos estavam vivos.

A teoria Maia não tinha dado certo.

Vivenciamos o fim dos tempos a cada dia, com as guerras, ignorâncias, mentiras, inveja, fome. Toda hora o mundo vai, lentamente, se deteriorando. Cada dia que passa é um novo fim e não um novo começo. O mundo acaba para quem morre, para quem deixa de ajudar o irmão, para quem deseja o mal do próximo, para quem não entende os verdadeiros valores da vida e as verdadeiras virtudes desse mundo.

Ontem não acabou, e nem amanhã acabará. O começo e o fim reside em nós!