sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O FANTASMA DE ARIELLA



Se tem uma coisa que Ariella e Maria sempre preservaram era a amizade. Para elas, acima de tudo, persistia a amizade. Tanto que até o medo de uma perder a outra as abalava.


— Jamais deixaremos de ser amigas — disse Maria, certa noite.


O fato é que o inesperado um dia iria acontecer. Ariella passaria o final de semana na casa de sua avó, por isso foi até a casa da amiga se despedir.


— Boa viagem — disse Maria ao abraçá-la. — E se cuide.


Depois que saiu da casa de Maria, Ariella se despediu do namorado, que era um rapaz alto, forte e com feições belas, cujos atributos deixavam todas as meninas do bairro a ponto de explodir, inclusive Maria. Ariella tinha ciúmes de Nicolas, por isso dizia que mesmo que a morte a golpeasse, ela não ficaria feliz em vê-lo com outra.


Mas o destino fez com que o ônibus que Ariella viajava abalroasse com um caminhão que trafegava em alta velocidade e, infelizmente, ela tinha sido uma das vitimas fatais do acidente. Morrera na hora. Seus amigos, Maria, Nicolas e todos aqueles que aprenderam a amá-la, não aceitavam o fato dela ter morrido, mas, mesmo que as lágrimas saíssem desesperadas, não adiantava, ela estava morta e nada faria com que ela voltasse.


Nicolas ficara muito sentido com a morte da namorada, e Maria, como era a melhor amiga de Ariella, pôs-se a consolar o rapaz, que repentinamente acabou se apegando a ela. Maria, que jamais se imaginou ficando com Nicolas, deixou de lado esse pensamento e foi se entregando a ele. O primeiro beijo aconteceu dois dias depois do falecimento de Ariella. Depois disso, ambos começaram a se encontrar, primeiro furtivamente, depois, em público. Mas o fato de estarem juntos trouxe a eles alguns fatos desgostosos e estranhos. Certa noite, quando Nicolas dirigia seu veiculo por uma rodovia, jurou ver pelo retrovisor Ariella sentada no banco de trás. Maria assustou-se e disse que isso era bobagem e que só poderia ser coisa de sua cabeça. Mas o primeiro fato fantasmagórico que aconteceu com Maria foi torturante. Ela estava no quarto e ouviu uma risada, depois um arrepio em sua nuca. Deitada na cama, não percebeu nada, foi tudo tão rápido, e só sentiu quando duas mãos tentavam estrangulá-la. Seu pai entrou no quarto e perguntou o que ela tinha.


— Alguma... — disse ela, recuperando-se. — Alguma coisa...


De fato o fantasma de Ariella estava ali. No cemitério um túmulo estava vazio. Uma tumba jazia desfeita, deixando a vista um buraco. Ariella saíra do seu túmulo e começava a caminhar como um zumbi. Seu caminhar hesitante, seu olhar petrificado e seu pensamento alinhado. Quando chegou na casa de Maria, apenas queria pegá-la e levá-la consigo. No quarto ela parou em frente à cama, a centímetros do rosto de Maria. Olhou para ela e calou-a com a mão. Maria se debatia, mas a força de Ariella era mais forte. Os olhos esbugalhados estampavam o terror no rosto de Maria, que logo calou-se, desmaiada.

Justificar

Ariella, o zumbi, o fantasma, o demônio, pegou Maria, aquela que era a sua melhor amiga, pelos cabelos e arrastou-a pelas ruas da cidade até o cemitério. Quando chegou em sua tumba, no buraco que a esperava, ela percebeu que Maria ia acordando. Tentou se desvencilhar dos braços de Ariella, mas a força dela não a deixava. No céu, uma tempestade descia com fúria, e o terror se completava com o ódio de Ariella e com o medo de Maria. Rapidamente Ariella foi entrando em seu túmulo, levando consigo Maria.


Dentro da tumba, a terra foi enterrando Ariella, já acostumada com o seu lugar e Maria, viva, vendo a morte chegar da pior maneira possível. Ariella riu e olhou para Maria.


— Eu disse que viria pegar quem ficasse com meu namorado.


A terra as enterrou. A chuva caia e a sepultura de Ariella agora tinha dois corpos.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O SEGREDO PERPÉTUO


Todos nós temos um segredo escondido em algum canto de nossa alma. Esse que aqui relatarei é o meu, e por mais que eu diga que seja a fatia da minha vida mais recheada de infortúnio, ele sempre será o meu desassossegado segredo.


Antes de começar a lhes contar como se inicia a minha morte — sim, digo morte porque a partir daqueles dias as trevas vieram me abraçar e hoje vivo em uma perpétua tumba de segredos, onde uma teia de sonhos impossíveis me consome — quero me apresentar. Chamo-me Clara e moro no sul da Irlanda, onde vivo com minhas três filhas.


Conheci meu esposo aos 16 anos num casamento de uma amiga. Naquela noite eu disse a minha irmã que um dia me casaria com ele. Ela riu e chamou-me de louca. Dias depois, uma das minhas amigas o pediu em namoro e ele aceitou. Tudo havia desabado. Mas, depois de um ano e muitas brigas entre os dois, ele começou a freqüentar minha casa, e um dia, surpreendentemente, ele veio falar comigo. Pediu-me em namoro e eu aceitei. Namoramos por um ano e meio e depois nos casamos. Em menos de dois anos eu já tinha duas filhas e, cerca 2 anos mais tarde, minha filha caçula nasceu.


Vivíamos uma vida sem maiores problemas. Mas, quando eu tive minha terceira filha, os problemas apareceram. Um belo dia ele disse-me que estava apaixonado por outra mulher. Eu me lembro de ter chorado muito. Meu mundo havia caído. No dia seguinte, desesperada, peguei minha filha de 2 anos e cheguei perto da janela do nosso apartamento no 10º andar, e só não pulei por que um anjo tocou a campainha. Minha irmã. Quando ele chegou mais tarde, disse estar arrependido, mas o estrago já estava feito.


Durante os anos que se seguiram eu sofri muito com as traições dele. Aí, com o tempo, vieram outras crises, e finalmente resolvemos nos separar. Foi neste período de separação e dor que conheci outra pessoa e me apaixonei. Com ele vivi dias de muita felicidade e emoção. Nunca havia conhecido alguém tão especial. Vivemos juntos por um ano. Mas, meu ex-marido foi ficando doente, e novamente disse estar arrependido As minhas filhas tinham ficado com ele, pois eu não tinha condições de sustentá-las, e viram ele tentar se matar, situação que obrigou elas a implorarem pelo meu retorno à casa. Ele chegou até a falar em ir embora do país com elas, sem jamais me dar noticias.


Lembro-me bem do dia que eu estava saindo da casa onde eu estava. Era como se eu estivesse indo para um enterro. O meu próprio enterro! Eu não conseguia falar. Fiz as malas, entrei no carro e deixei para trás a única pessoa que realmente amei nessa vida. Durante os anos que se seguiram, minha vida foi um inferno. Fiquei meio amarga e seca. Porém, muita água rolou e nunca tive coragem de lutar pelo que eu queria. Deixei a vida passar e meu marido acabou se tornando apenas meu amigo. Lógico, nunca esqueci o outro e ele também nunca me esqueceu. Às vezes nos falamos, e lá se vão onze anos de amor que nem à distância e o tempo conseguiram diminuir. Já tentei esquecê-lo, mas o destino, ou sei lá o quê, sempre faz com que a gente acabe se encontrando. Sei que tive que escolher entre minhas filhas e o grande amor da minha vida, e eu não podia abandoná-las.


Aprendi a abrir mão dos próprios sonhos por um bem maior. Hoje vivo com este segredo e ninguém entende quando eu derramo lágrimas de repente, como também não entendem quando estou trasbordando de alegria. Talvez um dia minha vida mude novamente, mas até lá vou deixar as coisas acontecerem. Elas sempre acontecem...


OBS: Essa é uma história verídica, mas o nome da protagonista — que a mim relatou a sua história —, é fictício.