sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A MORTE DA ESPERANÇA



Sempre sonhei em ter o melhor de todos os filhos do mundo, e não nego, o tive sim. Chamava-se Geremia Aguirre. Um lindo homem. Sempre dedicado e estudioso, era a coisa mais preciosa que eu poderia querer. Sabe, às vezes é complicado lembrar de coisas que um dia se foram, mas se eu pudesse voltar no tempo para fazer qualquer coisa, voltaria por um simples motivo: para esperar. Simplesmente esperar.


Sair de casa na esperança de encontrar-se com alguém pode ser algo tão grandioso que nem a ciência humana é capaz de explicar. Naquela noite Geremia saiu decidido: era tudo ou nada, o infortúnio ou a glória. A noite havia caído, e antes de esperá-la no lugar programado, Geremia deu-se ao trabalho de comprar um belíssimo buquê de flores. No caminho, algo em sua expressão trazia esperança, mesmo que no fundo um certo negativismo o golpeasse. Seria o tudo? Seria a glória? Bastava esperar.


A praça estava deserta. Os ventos sopravam sem violência alguma. O ar era maravilhoso. Em uma hora Mariella chagaria. Ou não! Mas Geremia estava cônscio que sim. Claro! Ela chegaria sim. Então ele esperou. Cheirou as rosas, olhou a sua volta e espero. Os minutos foram passando. Faltavam agora quarenta e cinco minutos. Meia hora, quinze minutos. Era a hora. Mariella chegaria a qualquer momento. Geremia encheu os pulmões de ar e felicidade. Imaginou ela surgindo diante dele. Seria a reconciliação, seria o fim de uma angústia. A carta que ele a enviou dizia que hoje seria o dia, e que a esperaria no lugar de sempre. Se ela comparecesse, conversariam e ele, enfim, a surpreenderia com aquilo que tinha em mente. Caso contrário, se ela não aparecesse, estaria tudo acabado e nunca mais voltariam a se ver.


Agora o atraso era de uma hora. Geremia já não achava mais nada. Sua companhia nesse momento era a desgraça, o ódio, o horror e a sensação de abandono e desprezo. Isso! Ele estava sendo desprezado, pisado. Ela não viria mais. Agora sim, tudo estava acabado. Levantou e, na primeira lata de lixo que encontrou pela frente, enterrou aquele lindo buquê de rosas vivas. Caminhou como um derrotado, sem rumo. A cabeça baixa o fazia pensar na briga idiota que haviam tido. Eles se amavam tanto! Para Geremia, um pedido de tempo é um termino discreto, e se Mariella não havia comparecido ao encontro programado por ele, não era nem um termino discreto, era um fora do tamanho do mundo. Cinco anos juntos! Cinco anos que podiam ser perdidos por uma simples bobagem. Geremia deu o tempo que ela pediu. Será que não bastava?


Ele entrou na rodovia. O movimento era intenso. Caminhou pelo acostamento por vários minutos até chagar ao viaduto que cortava a cidade. Aquela altura o vento soprava mais forte, menos tímido, mais traiçoeiro e menos esperançoso. Seria impossível Geremia fazer aquilo. Mas, sem que ele pensasse, caminhou até o meio do viaduto e olhou para baixo. Metros. Muitos metros! Mas já estava decidido, aquilo já estava selado. Um caminhão passou às suas costas e uma lufada de vento quase o derrubou. O viaduto tremeu. Ele respirou e colocou primeiro um pé depois o outro em cima da proteção. Equilibrou-se. Qualquer outro movimento súbito e ele cairia. Tentou respirar. Colocou a mão no bolso e sentiu a caixa. Gritou o nome de Mariella e disse aos céus que a amava. Depois disso, o abismo o acolheu, engolindo-o.


Sim, eles se amavam. E sim, tenho saudade do meu filho. Se ele tivesse esperado mais um pouquinho, apenas mais um pouquinho, não teria se suicidado. Mariella, o grande amor de sua vida, não o havia abandonado. Estava se arrumando para ele, estava se arrumando para o seu grande amor, conforme me explicou depois. Mas o mais triste não foi isso. O mais triste, o pior de tudo, foi vê-la chorando ao receber de minhas mãos uma caixinha que foi encontrada junto ao corpo do meu filho. Dentro dela havia um par de alianças e um bilhete com a seguinte frase: “Quer se casar comigo? Amo você!”





sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O ANJO DOS NOSSOS DIAS



Aos poucos ela foi se aproximando daquela foto que descansava sobre a estante. Tímida, curiosa, foi pegando um a um dos porta-retratos que embelezavam aquele cômodo da casa. Uma menina linda, com um corpinho perfeitamente pequeno e um longo cabelo encaracolado que lhe caia pelas costas. Misteriosa e ingênua como somente uma criança pode ser, Isabella era a filha mais bonita que eu poderia imaginar. Uma menina que esbanjava esperança, amor e promessas de um futuro maravilhoso.


Bella pegou aquele porta-retrato com toda a segurança de uma criança, e observou cada traço daquele objeto. Rezei para que ela não me dirigisse uma só palavra a respeito da foto que ali estava havia anos, mas não pude evitar.


— Papai — ela começou, olhando ora pra foto, ora pra mim ―, quem é esse homem?


Fiquei sem ação. Lentamente me dirigi até ela, afaguei seus cabelos e tomei aquela foto em minhas mãos como se fosse um tesouro. Com coragem, soltei aquelas duras palavras que rasgaram meu coração.


― Esse minha filha... ― tomei fôlego. ― Esta foi à pessoa mais importante na vida de seu pai. Foi a pessoa com quem seu pai aprendeu a viver. Um anjo na minha vida... — E agüentando firme às lagrimas que se acumulavam em meus olhos, olhei novamente para o porta-retrato. — Foi o irmão que seu pai nunca teve.


― Mais importante que eu e a mamãe?


― Claro que não querida ― disse sorrindo. ― Claro que não.


Ela começou a rir timidamente, e tomada por uma felicidade indecifrável, saiu correndo até a cozinha, ao encontro de sua mãe.


Com os olhos presos à nossa eterna fotografia, desprendi um riso dos lábios como num súbito instante de alegria. Minhas mãos seguravam aquele porta-retrato com fúria, enquanto as lágrimas iam começando a se externar. Em silêncio, passei o polegar direito sobre a foto e acariciei o vidro, me perguntando por que a vida tinha que ser assim.


Amaldiçôo-me diuturnamente por ter enterrado dentro de mim uma saudade que corrói meus ossos e cospe faíscas de momentos vividos. Penso nas coisas que fizemos e nas que deixamos de fazer. Talvez a vida esteja certa, e ainda um dia, ela há de nos unir.


Suspirei e olhei para o teto, em busca de fôlego. Continuei acariciando a foto e, sem força, percebi que meu rosto estava úmido. Quando pisquei, uma linda lágrima caiu sobre aquele objeto, sobre nós dois, sobre nossas vidas. Pus aquele porta-retrato novamente em seu lugar, dei alguns passos para trás, e parei junto à porta, de costas para a sala. Ali fiquei chorando como uma criança.


Ao me virar novamente, vi a beleza de minha filha estampada diante de minhas órbitas. Com o seu rostinho triste como um anjo, ela me fitava com angústia e ternura.


― Papai, por que você está chorando?


― Nada não minha filha ― respondi. ― Venha cá com o papai.


Abracei-a com força. Seu corpo me confortava e aos poucos fui me acalmando. Queria que aquele fato jamais tivesse acontecido. Queria que tudo fosse mentira, mas a vida sabe furtar de nós as sementes que colhemos e como recompensa, nos deixa mergulhado em lembranças que permanecem em nós como a memória viva de um sopro de saudade.


― Nunca esqueça que o papai ama muito você está bem?


Beijei-a suavemente, como se esse fosse um beijo para a eternidade, e ela limitou-se a assentir vagarosamente entendendo precocemente o verdadeiro significado de minhas palavras.