
O sol descia com a mesma delicadeza que um senhor vendia rosas na avenida onde, neste exato momento, meus passos guiavam-me. A minha volta milhares de vultos de silhuetas apressadas andavam pra lá e pra cá. Eu sabia que a minha felicidade podia estar naquela cidade, em qualquer lugar, em alguma daquelas ruas.
Com as mãos enfiadas nos bolsos do meu casaco, viajei no tempo e comecei a relembrar – sem parar de caminhar – da nossa época. Tudo era tão lindo... que hoje até tenho medo de recordar. Havia sóis em nossos dias, glórias em nossas aventuras, e não era como hoje, que vejo trevas num mundo lúgubre e obedeço ao infortúnio que a vida me ofereceu. Hoje quando vejo certos casais andarem juntos, com as mãos unidas, sinto pavor ao me ver mergulhado na solidão que a ausência dela me fez permanecer. É difícil olhar um beijo proferido por amantes, pois imagino quanto tempo perdemos – ou ganhamos – entre carícias e outras loucuras de amor cuja realidade éramos testemunhas.
O bar que hoje entrei não tinha nada de especial, a não ser pelo fato de que os vi entrarem ali várias vezes, e confesso: entrei apenas por entrar, fumar um cigarro e beber alguma coisa. Eu usava uma bota bege desbotada, uma camisa xadrez das mais comuns, um casaco de couro, um jeans e um boné com a aba bem dobrada. Quando entrei optei pelo balcão. Sentei em um banco e, exausto, pedi uma dose de uísque. A garçonete deve ter pensado: quem é esse homem? Imagina só, a minha barba estava por fazer, meu cabelo saia por debaixo do boné, e a feição séria e fechada, além das minhas vestes rústicas, podia levar a ela a idéia de que eu nutria um aspecto louco e moribundo.
Antes de chegar a minha bebida, acendi um cigarro e contemplei o ambiente, girando os olhos para todos os lados. O bar era pequeno, com poucas mesas, um balcão e uma iluminação fraca. Mas, enquanto me sentia íntimo daquele local, e ocupava o tempo saboreando o cigarro e bebendo aquela dose certeira de uísque, eis que aquilo que eu temia aconteceu. Era ele. Um homem com aparecia saudável, sociável e apresentável adentrou o recinto e sentou-se ao meu lado. Não o olhei, apenas percebi que também pedia uma dose de uísque e, enquanto aguardava, desfazia levemente o nó da gravata e afrouxava o colarinho. Senti quando jogou seus olhos sobre mim. Foi então que pensei: como ela pode se apaixonar por esse cara?
O fato é que o tempo nos separou, a vida, o destino, a maldição de alguma coisa nos separou. Nos amávamos, havíamos nos prometido, mas algo nos separou. O tempo passou, os contatos cessaram e nunca mais um soube do outro. Mas eu sempre a amei, sempre a tive em minha memória e coração. E agora era, de fato, um momento de dor. Como será que ela estava? Será que estava bem? Será que precisava de alguma coisa? Eu não preciso saber disso, apenas quero a sua felicidade, e que os dons da glória e do amor a acompanhem ao eterno. E, foi pensando nisso, que virei meu corpo em direção àquele homem. Ergui a cabeça e olhei em seus olhos.
– Por favor, cuide bem dela – disse-lhe com o ar duro e o coração em pedaços.
Ele me encarou, não entendendo, mostrando estupefação.
– Ela merece todo o amor do mundo – continuei. – Tudo o que eu não consegui dar a ela, rogo para que você a dê, oferecendo a ela o que jamais consegui lhe oferecer.
Segurei uma lágrima presa dentro dos olhos.
– Quem é você? – ele perguntou, por fim.
– Sou a pessoa que mais a amou nesse mundo.
Assim que proferi essas palavras, deixei o dinheiro em cima do balcão, dei uma última olhadela pra ele e deixei o bar. Percebi que ficava atônito, sem se mexer. Sai porta afora e deslizei pela avenida, me confundido com o mar de pessoas que por ali perambulavam. Às minhas costas ouvi um grito de “Hei, espere!”, mas era tarde, eu voltava a me enterrar em meu mundo de saudade e dor. E então, quando percebi, minha barba umedecia lentamente, pois as lágrimas já não me deixavam em paz, e a ausência de quem sempre amei permanecei encravada em minha alma.