A noite dormia inerte, apenas abençoando a cidade taciturna que ostentava uma penumbra cálida, lúgubre e pronta para observar de camarote a névoa densa, sentindo o hálito frio da brisa vivida que vinha de um lugar inexistente e que começava a mergulhar nas entranhas, esconderijos, becos e lugares sagrados e santos da bela, mas um tanto quanto sombria cidade de Frederico Westphalen. A névoa âmbar trazia o cheiro de um segredo incomum, e aos poucos, bem lentamente, ia inundando as ruas, trazendo a tona uma sensação de prazer, temor e mistério.
Voando em direção a cidade, a névoa translúcida vislumbrou longinquamente os contornos dos prédios, casas, fábricas e, em especial, os da Catedral Santo Antonio destacando-se como o monumento de maior envergadura, que adorna a área central de Frederico Westphalen e assalta, em primeiro plano, aos olhos viajantes de quem surgisse daquela direção.
Aos poucos ela começou a tomar conta, desde os bairros até o centro da cidade. Agindo com astúcia e louvor, a névoa estendeu-se como uma serpente rastejante por sobre as avenidas largas e clássicas do município, deixando o prazer suave de seu mistério impregnado por onde passava. Tentando acostumar-se a doce penumbra da madrugada sombria, a névoa viajou por cada canto, afoita e fantasmagórica, lapidando a silhueta de condomínios e mansões, e deslizando por entre os lugarejos mais negros e tímidos da velha Vila Barril. Logo toda a extensão da cidade foi sendo engolida pela donzela da noite, e lugares propícios ao inevitável apossamento foram se contorcendo ao sentirem seu doce hálito.
No alto da cidade, a Praça da URI, juntamente com a Universidade e com a escola José Cañellas, logo foram alvo da névoa. Outros lugares como o Viaduto e o Castelo no Bairro Santo Inácio também foram cobertos por ela. E, além do Parque de Exposições e do Parque abandonado e sombrio da Vila Faguense, a precursora Praça do Bairro Barril também sentiu a língua maldita do nevoeiro vir incrementá-la. Mas, além desses lugares e de todo o resto de Frederico Westphalen, a Rua do Comércio, em sua avenida deserta àquela hora e a Praça da Matriz, onde a Catedral Santo Antonio descansava, não ficaram por menos. O calçadão parecia um lugar sem existência, deserto e abandonado, e os contornos da praça pareciam labirintos de segredos inconfessáveis. Porém, o mais belo de tudo era ver a igreja matriz se embelezando com o nevoeiro que se sentiu lisonjeado em deixá-la quase invisível, sem sequer poder ver as torres e os relógios que, no silencio assustador da noite, badalavam as horas.
Depois de derramar o seu frescor por toda a cidade, a névoa frívola e inquieta tinha um rastro a mais para deixar...
(E seria ali, naquele clima de horror e vasta beleza, que sangue, loucuras e traições se fundiriam numa maldição demoníaca, cuja salvação somente poderia ser alcançada através da fé. E será que alguém teria capacidade de acreditar no Criador depois de uma descarga de tormentos e infortúnios? Um homem sim...)
Afinal, como uma cidade tão bela como Frederico Westphalen,
pode tornar-se, ao mesmo tempo, tão sombria?
A resposta está na Fé.
Créditos Foto: Jardel da Costa