sexta-feira, 24 de junho de 2011

FREDERICO EM SOMBRAS


A noite dormia inerte, apenas abençoando a cidade taciturna que ostentava uma penumbra cálida, lúgubre e pronta para observar de camarote a névoa densa, sentindo o hálito frio da brisa vivida que vinha de um lugar inexistente e que começava a mergulhar nas entranhas, esconderijos, becos e lugares sagrados e santos da bela, mas um tanto quanto sombria cidade de Frederico Westphalen. A névoa âmbar trazia o cheiro de um segredo incomum, e aos poucos, bem lentamente, ia inundando as ruas, trazendo a tona uma sensação de prazer, temor e mistério.


Voando em direção a cidade, a névoa translúcida vislumbrou longinquamente os contornos dos prédios, casas, fábricas e, em especial, os da Catedral Santo Antonio destacando-se como o monumento de maior envergadura, que adorna a área central de Frederico Westphalen e assalta, em primeiro plano, aos olhos viajantes de quem surgisse daquela direção.


Aos poucos ela começou a tomar conta, desde os bairros até o centro da cidade. Agindo com astúcia e louvor, a névoa estendeu-se como uma serpente rastejante por sobre as avenidas largas e clássicas do município, deixando o prazer suave de seu mistério impregnado por onde passava. Tentando acostumar-se a doce penumbra da madrugada sombria, a névoa viajou por cada canto, afoita e fantasmagórica, lapidando a silhueta de condomínios e mansões, e deslizando por entre os lugarejos mais negros e tímidos da velha Vila Barril. Logo toda a extensão da cidade foi sendo engolida pela donzela da noite, e lugares propícios ao inevitável apossamento foram se contorcendo ao sentirem seu doce hálito.


No alto da cidade, a Praça da URI, juntamente com a Universidade e com a escola José Cañellas, logo foram alvo da névoa. Outros lugares como o Viaduto e o Castelo no Bairro Santo Inácio também foram cobertos por ela. E, além do Parque de Exposições e do Parque abandonado e sombrio da Vila Faguense, a precursora Praça do Bairro Barril também sentiu a língua maldita do nevoeiro vir incrementá-la. Mas, além desses lugares e de todo o resto de Frederico Westphalen, a Rua do Comércio, em sua avenida deserta àquela hora e a Praça da Matriz, onde a Catedral Santo Antonio descansava, não ficaram por menos. O calçadão parecia um lugar sem existência, deserto e abandonado, e os contornos da praça pareciam labirintos de segredos inconfessáveis. Porém, o mais belo de tudo era ver a igreja matriz se embelezando com o nevoeiro que se sentiu lisonjeado em deixá-la quase invisível, sem sequer poder ver as torres e os relógios que, no silencio assustador da noite, badalavam as horas.


Depois de derramar o seu frescor por toda a cidade, a névoa frívola e inquieta tinha um rastro a mais para deixar...


(E seria ali, naquele clima de horror e vasta beleza, que sangue, loucuras e traições se fundiriam numa maldição demoníaca, cuja salvação somente poderia ser alcançada através da fé. E será que alguém teria capacidade de acreditar no Criador depois de uma descarga de tormentos e infortúnios? Um homem sim...)


Afinal, como uma cidade tão bela como Frederico Westphalen,

pode tornar-se, ao mesmo tempo, tão sombria?

A resposta está na Fé.



Créditos Foto: Jardel da Costa

domingo, 12 de junho de 2011

O SEDUTOR



A capacidade de fazer apaixonar, de embriagar o coração alheio com louvores de amor nunca teve como coadjuvante outro ser, com melhor ímpeto e astucia, do que Henrico. Talvez tenha ele sido o maior sedutor de toda a sua geração. Não havia mulher que não se sentisse atraída pelo homem capaz de fazê-las enlouquecer.

Henrico, porém, tinha o coração duro como uma rocha. Não possui sentimentos, e sua capacidade de amar limitava-se única e exclusivamente à sedução, e usava essa sua impiedosa habilidade para exercer outra atividade totalmente contrária ao amor. O que ele fazia talvez homem algum tenha se dignado a fazer: Henrico seduzia todas as mulheres, as levava para a cama, fazia amor com elas e, por fim, as assassinava, num gesto de amor e ódio, tendo como pano de fundo um prazer duplo, que se consumia apenas com o deleite de ver o sangue escorrer.

Sua capacidade de sedução, demasiado elevada, não se comparava a nenhum outro ser. Olhos misteriosos, azuis da cor do alto mar, cabelos encaracolados e longos, que lhe caiam levemente pelos ombros, negros como a madruga, rosto desenhado pelas mãos de Deus, nariz afilado e lábios sedosos que, com qualquer movimento, derretia corações encarecidos de amor e afeto. Henrico tinha o dom de lograr de qualquer alma feminina o sentimento mais puro e encarcerado. Sua fala doce e leve, seu sorriso cheio vida, de um homem que sabe a virtude que tem, além da corpulência e aparência física, denunciavam, exteriormente, o desejo de tê-lo como amante cobiçado.

Primeiro vinha o encanto das palavras, escolhidas milimetricamente, depois as tocava como anjos tocam trombetas. O tato deixava-as ardendo em desejo e, aproveitando-se, Henrico as seduzia como somente ele sabia fazer, levando-as para cama e saboreando de cada centímetro de pele desenhada em cada silhueta que por ele passava. Por fim, as matava sem qualquer perdão, simplesmente pelo prazer de fazê-lo. Tirava a vida de toda e qualquer mulher que por ele se fazia seduzir, isso tudo por que ele não sabia amar, não conseguia amar e, desprovido de sentimentos, nutrindo uma alma rígida, um coração duro e um ar galanteador, seduzia as mulher e as matava.

A vida de Henrico seguiu assim, sem nunca ninguém ter percebido a malvadeza de sua admiração pelas mulheres. Cabe lembrar aqui que toda e qualquer mulher, por mais forte e resistente que fosse, apaixonava-se por ele, e ele, aproveitando-se da humilde intenção de tais mortais, realizava os desejos de sua alma.

Houve um momento da vida de Henrico em que tudo isso veio a despencar e a cair sobre terra. Existiu uma mulher, uma jovem e bela mulher que se instalou nas redondezas da cidade onde ele morava. Claro que ela também se sentiu atraída por Henrico e, por conseguinte, admirou-o e desejou-o até a consumação. O homem sedutor, cuja mulher nenhuma sobrevivia ao seu doentio amor, desejou, obviamente, a bela jovem. Mas, como somente o amor sabe pregar peças, na noite em que ambos estavam juntos, Henrico a seduziu com palavras, sentiu o adocicado cheiro de sua alma e a despiu com ímpeto, não fugindo de sua índole. Deitou-a na cama e, antes de fazer qualquer coisa, algo diferente o ricocheteou a alma, e por instantes, ele sentiu o coração, antes duro, doer, e, agora, súbita e inesperadamente, amolecer.

A jovem o esperava, queria ele, mas Henrico sentiu algo o invadir, e levemente começou a olhá-la com olhos diferentes. Sim, ela era bela, ela tinha um coração leve e doou-se a ele de corpo e alma. Porém ele não queria matá-la! Não queria furtar-lhe a vida e ludibriar-lhe amor. Henrico estava sentindo algo estranho, e por um leve instante de momento, quis beijá-la, abraçá-la e tê-la para si. Era estranho o que ele estava sentido e, deste modo, não fez o que estava predestinado a fazer e saiu de cima dela. Seu coração amolecera, sua alma agora se embriagava de amor. A bela jovem, sem que imaginasse, agora o fazia se apaixonar, fazendo o feitiço virar contra o feiticeiro.

Apaixonadamente perdido em pensamentos íntimos, Henrico deixou-a nua sobre a cama e saiu correndo da casa para nunca mais voltar, tanto ali quanto nas redondezas. Ninguém nunca mais soube do seu paradeiro, ele simplesmente sumira sem deixar qualquer rastro de vestígio, exceto, é claro, os corpos enganados de mulher apaixonadas que pelo sedutor se fizeram deixar levar. Há quem diga que Henrico morrera, há quem diga que seu coração se despedaçou. Eu, como fui a última a vê-lo, digo simplesmente que ele se apaixonou, não sei se por mim, mas pela vida.