
O evento cujo relato aqui transcreverei não se trata de algo comum, pois o mistério que envolve tais fatos persiste até hoje ao redor do pequeno vilarejo de Stratfield Saye, localizado no nordeste de Hampshire, Inglaterra. Às vezes penso que talvez tudo isso não passe de uma lenda, uma lenda cuja veracidade em certas ocasiões me causa arrepio. A história, que vem sendo passada de geração para geração, teve como testemunha o meu avô, que morreu recentemente.
Naquela época o mundo respirava outros ares, e Stratfield Saye não passava de um lugar sombrio e perdido no meio de colinas e vales solitários. Além das poucas casas, existia no vilarejo uma pequena e misteriosa igreja que levava os fieis quase todos os dias ao seu interior para rezarem por dias melhores. O seu coordenador espiritual era o Padre Jean Paul Wilknson, que servia não só de ícone religioso, mas também de autoridade para todas aquelas famílias. Viver em Stratfield Saye era motivo de medo para muitas pessoas. Acreditava-se que fé e Deus não existiam por lá, pois, por anos a fio a igreja ficou desabitada, sem padre, sem fé.
Wilkinson foi o primeiro padre de Stratfield Saye, e a sua permanência no vilarejo era motivo de alegria e festa para todos. Meu avô era camponês, e nas horas vagas enchia a cara em uma taberna ao lado da igreja, quase sempre na companhia do Padre Jean, que era um dos seus melhores amigos e que nessas ocasiões mantinha-se em ordem e abdicava-se do álcool.
A história que rodeia Stratfield Saye gira em torno da morte do referido padre. Uns dizem ser uma lenda, outros acreditam na palavra do meu avô, já outros, julgam-no louco. Eu, alheio a tudo isso, apenas servi de fiel ouvinte à história.
O evento aconteceu numa noite de inverno. Meu avô bebia em casa, quando ouviu um barulho estranho na direção da igreja. O fato é que o barulho não seria nada estranho, pois ventava muito e uma tempestade se anunciava, porém, as luzes acessas da igreja deixaram meu avô inquieto, uma vez que nunca eram acessas àquela hora.
Perturbado, ele levantou, pegou seu casacão e foi em direção a porta.
– Aonde você vai a essa hora? – perguntou minha avó, curiosa.
– Preciso ver o que aconteceu na igreja, achei estranho... – disse e saiu no vento.
Os passos débeis e ébrios do meu avô foram o conduzindo até a casa de Deus. No meio do caminho ele ouviu, de repente, outro estrondo, e, então, a luz que iluminava a igreja subitamente se apagou. Correndo, meu avô chegou até a porta da igreja. Abriu. A escuridão daquele templo rapidamente o cegou. Sentindo um cheiro estranho, ele começou a caminhar, tateando nos bancos ao seu lado. E foi quando pisou em alguma coisa estranha, que um raio de luz iluminou seu rosto e toda a igreja se acendeu. Disse-me ele que o que viu nesse momento foi extremamente assustador – a sua frente uma série de fragmentos humanos jazia esparramado por todos os lados: braços, pernas, tecidos, órgãos, vísceras e entranhas humanas acomodavam-se sobre os bancos e chão.
Meu avô tapou a boca e, com o coração acelerado, caminhou em direção ao altar. No meio do caminho avistou algo estranho. Quando percebeu o que era, sentiu a náusea lhe agredir e fez menção em pegar aquilo, mas respirou fundo, pensou e deixou a cabeça do Padre Jean Paul Wilkinson inerte sobre o altar, como estava, sem tocá-la.
Nervoso, ele saiu correndo em direção à saída, passando pelos restos do Padre Jean. Quando atravessou a porta, saiu para a rua, enfrentando a tempestade, e caiu, desmaiado. Ali permaneceu até o dia seguinte, quando finalmente um homem o achou. Perguntado sobre o que tinha acontecido, meu avô contou sobre o fato da noite anterior.
Ainda pela manhã, quando retornou a igreja novamente, viu que nada de anormal tinha acontecido. Confuso, fora informado que o Padre Jean tinha ido embora.