sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O CURIOSO CASO DO PADRE JEAN PAUL WILKINSON



O evento cujo relato aqui transcreverei não se trata de algo comum, pois o mistério que envolve tais fatos persiste até hoje ao redor do pequeno vilarejo de Stratfield Saye, localizado no nordeste de Hampshire, Inglaterra. Às vezes penso que talvez tudo isso não passe de uma lenda, uma lenda cuja veracidade em certas ocasiões me causa arrepio. A história, que vem sendo passada de geração para geração, teve como testemunha o meu avô, que morreu recentemente.


Naquela época o mundo respirava outros ares, e Stratfield Saye não passava de um lugar sombrio e perdido no meio de colinas e vales solitários. Além das poucas casas, existia no vilarejo uma pequena e misteriosa igreja que levava os fieis quase todos os dias ao seu interior para rezarem por dias melhores. O seu coordenador espiritual era o Padre Jean Paul Wilknson, que servia não só de ícone religioso, mas também de autoridade para todas aquelas famílias. Viver em Stratfield Saye era motivo de medo para muitas pessoas. Acreditava-se que fé e Deus não existiam por lá, pois, por anos a fio a igreja ficou desabitada, sem padre, sem fé.


Wilkinson foi o primeiro padre de Stratfield Saye, e a sua permanência no vilarejo era motivo de alegria e festa para todos. Meu avô era camponês, e nas horas vagas enchia a cara em uma taberna ao lado da igreja, quase sempre na companhia do Padre Jean, que era um dos seus melhores amigos e que nessas ocasiões mantinha-se em ordem e abdicava-se do álcool.


A história que rodeia Stratfield Saye gira em torno da morte do referido padre. Uns dizem ser uma lenda, outros acreditam na palavra do meu avô, já outros, julgam-no louco. Eu, alheio a tudo isso, apenas servi de fiel ouvinte à história.


O evento aconteceu numa noite de inverno. Meu avô bebia em casa, quando ouviu um barulho estranho na direção da igreja. O fato é que o barulho não seria nada estranho, pois ventava muito e uma tempestade se anunciava, porém, as luzes acessas da igreja deixaram meu avô inquieto, uma vez que nunca eram acessas àquela hora.


Perturbado, ele levantou, pegou seu casacão e foi em direção a porta.


– Aonde você vai a essa hora? – perguntou minha avó, curiosa.


– Preciso ver o que aconteceu na igreja, achei estranho... – disse e saiu no vento.


Os passos débeis e ébrios do meu avô foram o conduzindo até a casa de Deus. No meio do caminho ele ouviu, de repente, outro estrondo, e, então, a luz que iluminava a igreja subitamente se apagou. Correndo, meu avô chegou até a porta da igreja. Abriu. A escuridão daquele templo rapidamente o cegou. Sentindo um cheiro estranho, ele começou a caminhar, tateando nos bancos ao seu lado. E foi quando pisou em alguma coisa estranha, que um raio de luz iluminou seu rosto e toda a igreja se acendeu. Disse-me ele que o que viu nesse momento foi extremamente assustador – a sua frente uma série de fragmentos humanos jazia esparramado por todos os lados: braços, pernas, tecidos, órgãos, vísceras e entranhas humanas acomodavam-se sobre os bancos e chão.


Meu avô tapou a boca e, com o coração acelerado, caminhou em direção ao altar. No meio do caminho avistou algo estranho. Quando percebeu o que era, sentiu a náusea lhe agredir e fez menção em pegar aquilo, mas respirou fundo, pensou e deixou a cabeça do Padre Jean Paul Wilkinson inerte sobre o altar, como estava, sem tocá-la.


Nervoso, ele saiu correndo em direção à saída, passando pelos restos do Padre Jean. Quando atravessou a porta, saiu para a rua, enfrentando a tempestade, e caiu, desmaiado. Ali permaneceu até o dia seguinte, quando finalmente um homem o achou. Perguntado sobre o que tinha acontecido, meu avô contou sobre o fato da noite anterior.


Ainda pela manhã, quando retornou a igreja novamente, viu que nada de anormal tinha acontecido. Confuso, fora informado que o Padre Jean tinha ido embora.

sábado, 13 de agosto de 2011

QUANDO A MORTE VEM BUSCAR


Neste exato momento estou sentado na minha cadeira. A varanda parece tão grande que às vezes penso que ela é o meu mundo, e que não existe mais nada além dela. Enquanto ao longe observo as montanhas que minha visão alcança, e com o acúmulo de anos que a vida me concedeu, vejo-me pensando em uma única coisa que agora me ocorre. Na morte.

Ora, minha vida se estendeu como um gigantesco trem sobre os trilhos da existência. Cada vagão, cada compartimento foi um tempo, uma época, uma passagem. Mas, mais interessante e verdadeiro do que isso, é lembrar que cada parada, de estação em estação, foi um momento único, ou seja, aqueles em que conhecemos as pessoas que hoje recordamos com prazer. São as pessoas que jamais se apagarão de nossa memória e que ficarão encravadas em nossa alma como uma benção ou uma manifestação de fé.

Ouço os pássaros cantando, as crianças brincando e o vento vir, caprichosamente, lamber minha face, como se fosse um cão amigo, ou nessa altura da minha vida, uma víbora debochadora. Às vezes é difícil recordar algumas coisas da vida, mas como se esquecer daquelas pessoas especiais? Como não lembrar a vez em que ela, a maldita e bela morte, misteriosamente os pegou pela mão, seduzindo-os a alma e carregando-os aos céus?

Desde pequeno tive amigos, pessoas cuja existência me fazia uma pessoa melhor, mais viva, mais alegre e mais efetiva em meus atos. Mas cresci, e assim, à medida que conhecia novos amigos, àqueles de outros tempos escapuliam-se da minha vida. Conheci uma bela mulher, tive filhos, tive netos, velhos amigos, velhos companheiros, mas sempre que conhecia alguém, quanto mais eu ia ficando velho, mais e mais as pessoas começavam a me abandonar.

O que agora faço é recordar os mortos. Afinal de contas, como sempre acreditei, nós não morremos definitivamente, apenas passamos dessa vida para outra. Essa vida, cuja existência me maltrata nessa velhice estranha, é apenas uma passagem, e sei que aqueles que me deixaram estão em um lugar melhor, onde logo logo também estarei.

Confesso que é difícil continuar a vida sabendo que se perdeu todos os amigos, a grande maioria dos familiares e quase todos os conhecidos. A vida nos ensina muitas coisas, e a tempestade de lágrimas que antes eu derramava hoje não mais escorre pelas rugas da minha face. Você aprende com o tempo que, embora as lágrimas o consolem, essa não é a melhor opção. A melhor opção é ter forças, e acredite: a gente as tira dos lugares mais improváveis, é como se Deus as enfiasse em nossos ossos e veias!

Os primeiros que perdi foram os meus pais, depois, tristemente, a minha mulher. Tive cinco filhos, e destes, apenas dois ainda estão vivos. Meus grandes amigos da infância foram todos: um por acidente, outro por doença, outro por isso e mais outro por aquilo. Nos meus amontoados de anos contemplei, com dissabor, o doloroso funeral de cada um destes que superficialmente citei. Chorei, usei meu paletó preto, joguei flores, carreguei caixões, consolei viúvas, entrei em igrejas, conheci cemitérios, visitei sepulturas e sempre os relembrei.

O que tenho a dizer de tudo isso? Bom, não devemos chorar pelos que partiram, e sim sorrir e agradecer a Deus por ter nos ter permitido viver, conhecer e ter feito parte da vida daqueles que nos deixaram. Não vamos chorar pela sua ausência, vamos rir e recordar sua existência e as coisas boas que com certeza ficarão em nós.

A vida é uma arte sem igual que nos prega peças a cada dia. A morte, a temida escuridão que nos engole e nos carrega com seu negror, é algo natural, cuja experiência cada um de nós iremos experimentar. A alma não morre, o que morre, apodrece e vira pó é o corpo, aquela estrutura que nos faz aproveitar a vida, mas a alma... ah, essa jamais morrera, pois viaja longe, para um lugar onde um dia todos nós reencontraremos outras almas, onde viveremos perpetuamente. E, muito embora pensemos que a morte seja o fim, o seu acontecimento é apenas o princípio da vida eterna.

Este texto é uma pequena homenagem a todos aqueles entes que nos deixaram e partiram dessa vida para outra. Amigos, familiares, amantes... de todos fica a lembrança de ter dividido, com prazer, a inesgotável alegria da vida. Aos mortos, a nossa gratidão e amor!