sábado, 24 de março de 2012

OLHOS VERDES PERTURBADORES


Aquele não havia sido um bom dia para Maylene. A carga excessiva de aulas e a árdua tarefa de corrigir provas e trabalhos simplesmente a esgotara. Para fugir da correria e dar a si mesmo um momento de descanso e calmaria, decidiu que encerraria as atividades da tarde em um café qualquer.

Escolheu uma mesa ao fundo, na janela. Lá fora a neve começava a pintar de branco o negro das ruas como estrelas a preencher o escuro do céu. Logo após fazer o pedido, a presença de um homem adentrando aquele estabelecimento chamou a sua atenção. Sua fisionomia era atraente, com ares de galanteador. Usava botas e vestia um longo sobretudo preto, cobrindo-o num mistério que tornava-se maior ao vislumbrar a sua bela face. Tinha cabelos curtos de cor acastanhada, boca grande rodeada por uma barba rala, por fazer. Porém, o maior segredo a ser desvendo naquele homem, residia em seus olhos, e foi isso que chamou a atenção de Maylene. Os olhos verdes perturbadores observavam com tal afinco que era capaz de hipnotizar qualquer um.

Presa àquele olhar, Maylene desviou o rosto, mas percebeu que ele havia sentado no balcão. Por vezes, ele a observava, causando-lhe certos calafrios. Assim que o pedido de Maylene chegou, o garçom se aproximou e parou a sua frente, bloqueando a visão que ela tinha do misterioso homem. O garçom extraiu do bolso um papel e estendeu para ela. Era um bilhete que trazia a seguinte mensagem:

“Eu teria mil razões para não escrever este bilhete, mas a sua beleza foi à única razão que me fez escrevê-lo. Gostaria de conhecê-la. Amanhã, mesma hora e local.”

Maylene olhou para o garçom, curiosa. Ele sustentou seu olhar e disse;

– Foi aquele senhor que me... – sua voz sumira de repente, assim como o homem misterioso que não mais fazia parte daquele ambiente.

Ela agradeceu, e depois disso a única coisa que conseguia perambular pela sua cabeça era aquele par de olhos perturbadores de um homem cujo mistério era intrigante.

No outro dia Maylene estava lá. Esperou ansiosamente por ele, em vão. O homem não apareceu. À noite, no mais pesado do sono, ela sonhara com ele. No sonho, ele entrava de mansinho em seu quarto, ostentando aquele olhar instigante. A meia luz, Maylene deixava se envolver por ele e beijava-o amavelmente. Em certo momento, quando abriu os olhos, ela encontrou no lugar daquele lindo par de olhos, dois buracos negros, duas órbitas vazias, escuras, de onde um liquido vermelho e mal cheiroso escorria até a boca, acompanhado de pequenos vermes.

Maylene despertou do pesadelo com um pulo, e perguntou-se o que era aquilo, quem era aquele homem que agora começava a invadir suas noites.

Por muito tempo o tal homem misterioso invadiu seus sonhos e pensamentos, até que um dia o som da companhia ressoou em seu apartamento. Ao abrir a porta, ela encontrou uma pequena caixa embrulhada num lindo papel de presente. Entrou e sentou no sofá da sala. Ali Maylene desfez o embrulho e abriu a caixa. Seu sorriso resplandeceu ao ver o que ali dentro continha um par de olhos verdes.

A letra, da correspondência era de Maylene, e o embrulho da caixa também tinha sido feito por ela. Ela desejou, para sempre, aquele par de olhos verdes perturbadores, então o que mais poderia fazer para tê-los para si?

O corpo do homem estava em algum lugar... Maylene foi capaz disso: matou o homem, arrancou seus olhos e colocou-os numa caixa delicadamente embrulhada. Por fim, enviou a correspondência para si mesma, e hoje tem como objeto de pecado e desejo, um belíssimo par de olhos verdes que guarda a sete chaves, num lugar onde somente ela sabe onde encontrar.

sábado, 10 de março de 2012

DOCE COMO MEL E ARDENTE COMO PIMENTA


Um dia desses, sentado em um bar e bebendo uma dose especial de uísque, me peguei pensando sobre alguns mistérios e armadilhas do destino, e lembrei-me de uma história, há muitos anos atrás, quando eu ainda era jovem.

Embarquei no ônibus praticamente lotado e percorri o longo corredor até a minha poltrona. Número 26. Quando me ajeitei no banco, olhei friamente para o lado.


– Está apertado por aqui, não é? – disse a voz ao meu lado.

Sorri, e ela me devolveu aquele que seria o melhor riso do mundo. Aparentava ter a minha idade. Seu rosto parecia ter traços desenhados. Madeixas louras caiam sobre os ombros, nos olhos uma pintura que retratava um olhar misterioso e atraente, na boca o vermelho sangue externava as garras num sorriso angelical. Seu nome era Chloé. Atraente, misteriosa e totalmente encantadora, de uma maneira que sempre desejei.

Trocamos algumas palavras ao longo da viagem, mas em algum trecho da estrada, comecei a perder toda a minha compostura e compreensão que até então estava tentando manter sob controle. Chloé me fez sair dos trilhos, assim como um trem desgovernado. A cada palavra, a cada olhar, eu me embebedava de seu charme e me tornava cada vez mais ébrio daquela mulher.

Em determinado momento, entramos em um assunto que definitivamente definiu o rumo da viagem. Chloé perguntou sobre o que eu achava de algumas coisas e prontamente me propus a responder. De imediato devolvi outras perguntas.

– Creio que temos mais coisas em comum do que imaginamos. Mesmos gostos, músicas, livros, cinema... – foi me dizendo. – Quando encontro pessoas com muitas coisas em comum comigo, costumo dizer que é uma armadilha do destino. É como se ele quisesse pregar uma peça, se é que você me entende...

– E isso é bom ou é ruim? – perguntei.

Chloé me forneceu um olhar massacrante, extraindo-me a noção das coisas.

– Depende – sorria maliciosamente. – Mas neste caso, em especifico, é bom.

No momento tentei fazer um jogo – mas hoje percebo que talvez nunca ninguém consiga jogar com ela. Fitávamos-nos a poucos centímetros do rosto um do outro.

– Isso me parece complicado...

– Não tem nada de complicado nisso – Chloé mostrou suas garras num belo riso.

O beijo aconteceu naturalmente. Era forte, intenso, provido de habilidades técnicas que talvez poucas mulheres soubessem usar. Chloé beijava com intensidade, vontade, força. Suas garras rasgavam minha pele e à medida que o ônibus andava, pra lá e pra cá, num balanço sem vim, nossos corpos se tocavam com malicia. As mãos percorriam cada linha do corpo e a vontade extrema de aproveitar um ao outro era evidente. Era um desejo ardente, insuportável. E foi nessa ânsia que ardemos em desejo, ali mesmo, no ônibus. Chloé sentou no meu colo, e a mulher que antes era doce como mel, agora se mostrava ardente como pimenta. Por fim, cochilamos abraçados.

Senti uma mão balançando meu ombro. Quando abri os olhos, avistei o motorista, que me informava que eu havia chegado ao meu destino. Imediatamente olhei para o lado. A poltrona da janela estava vazia! Onde estaria Chloé? Teria partido? Olhei para mim, olhei para o banco novamente e olhei para ele.

– Onde está a mulher que estava sentada aqui? Ela já desceu?

– Mulher? Ali? – o motorista apontou para a poltrona ao meu lado e riu. – Não tinha ninguém... A poltrona 27 veio vazia a viagem toda, desde onde você embarcou.

Sem entender, desci do ônibus. Na claridade de uma luz forte, observei que alguns fios de cabelo jaziam estampados na minha camiseta preta. Tirei um par deles e os observei. Eram louros. Pensativo, me perguntei: o que foi isso? Afinal, tudo não passou de um sonho ou Chloé seria uma peça fantasmagórica do destino?