Com
passos lentos, pesados e tristes, entrei na estação com a cabeça ereta, olhar
distante, olheiras enormes, carregando nos ombros o fardo da derrota, do
fracasso e a sensação desgostosa de que nada mais parece fazer sentido para um
homem quando perde um amor que julga ser verdadeiro e eterno.
Nas mãos eu levava uma maleta que
continha apenas algumas coisas, pequenas coisas que qualquer leigo consideraria
irrelevante, mas que para mim era de suma importância e apreço, com enorme
significado sentimental. Além dessa maleta, um emaranhado de roupas trajava meu
corpo. Nos pés usava um sapato marrom, que balbuciava tristonhos sons através do
andar lento de meus passos. Usava também uma calça social negra e um paletó
desbotado cor caqui. Um cachecol verde escuro cobria meu pescoço, protegendo-me
do frio, e na cabeça uma boina bege completava meu traje maltrapilho que delatava
minha desleixa, e só externava o que por dentro eu sentia.
Ao mergulhar na plataforma de embarque,
percebi que minha única companhia era a solidão. Sentei num velho banco de
madeira encostado parede, coloquei a maleta em meu colo, pus as mãos sobre ela
para protegê-la e esperei. A névoa me vigiava com intensa obscuridade e as
luzes da noite desenhavam figuras enigmáticas e fantasmagóricas com a
participação especial do vento, que além de causar-me frio, também sabia trazer
o rumor de uma noite de trevas. Ali, sentado e imerso no meu mundo que
antecipava a partida, comecei a pensar nela e em tudo o que tinha vivido e, de
certa forma, deixado de viver.
Conheci o meu grande amor quando a
juventude de outrora ainda me proporcionava momentos de prazer. Naquela época
tudo cheirava a guerra e até mesmo nos raros momentos de alegria, ela parecia
não desgrudar de nossa alma. Foi no cair de uma chuvosa noite de sexta-feira que
conheci Irina Steiner, um formosa moça alemã de cabelos louros e olhos azuis
que me encantou desde o primeiro instante. Era apenas a primeira de muitas noites
que viveríamos juntos, e graças a ela aprimorei o que de melhor eu sabia fazer.
Desde pequeno fui presenteado com o dom do
desenho. Inicialmente eram rabiscos que somente minha mãe considerava bonito,
mas como nas noites de solidão a única coisa que eu conseguia fazer era
desenhar, com o tempo os rabiscos se tornaram traços em formas realistas e
dignos de elogios. Lentamente comecei a viver desse oficio e, muito embora as
parcas economias não me revelassem luxo algum, considerava aquele trabalho um
processo de extrema felicidade, onde me sentia bem.
Irina tornou esses meus dotes melhores a
partir do momento que comecei a desenhá-la, quando me requisitou o primeiro
traço seu. Tenho certeza que todos os desenhos que fiz de Irina foram feitos
com a alma de um desenhista que ama o que faz e para quem o faz.
A vida me furtou-a e hoje eu não
pertenço mais a ela. Irina casou-se com outro homem. Surpreendi-me com o
dissabor dessa notícia quando voltei de uma viagem longa, depois de viver anos
com a minha falecida mãe. Sem compreender e impossibilitado de conviver com os
fatos que agora me golpeava o peito, decidi, com lágrimas nos olhos, partir,
sem rumo, com ela no meu coração e com ela diante dos meus olhos, através dos traços
dos desenhos que trago como um tesouro dentro dessa maleta.
O barulho do trem se aproximando
arrancou-me do meu devaneio. Levantei e me aproximei dos trilhos. Quando parou,
a porta do último vagão se abriu para mim. Respirei fundo e olhei para os lados
com a tola impressão de vê-la correndo em minha direção, como se um fio de
esperança ainda permanecesse vivo. Sem visualizar nenhuma silhueta e nada além
da névoa e do vento, entrei no trem e sentei na janela. Olhei para a maleta e a
abri. Comecei a ver os desenhos que fiz de Irina Steiner e subitamente um
turbilhão de emoções esbofeteou meu peito. Assim que vislumbrei o primeiro
desenho – ela sorrindo para mim –, uma lágrima caiu sobre a folha. Parecia que um
emaranhado de lágrimas começaria a riscar meu rosto, mas antes que eu pudesse
perceber, assim que uma gota de água despencou e manchou o papel, as luzes da
cidade sumiram e a escuridão da noite penetrou, como um intruso, não só no
vagão, mas também em meu coração.