terça-feira, 23 de novembro de 2010

O TRISTE FIM DO MEU AMIGO CÃO


Calafrios percorrem o meu corpo ao lembrar-me da visão que tive certa vez. A mim mesmo prometi que não contaria esta horripilante história a ninguém, mas, não agüentando ficar-me de boca fechada, resolvi, inocentemente, abri-la.


O fato aconteceu à noite. Estávamos eu e minha amável esposa deleitando-nos num sono tranqüilo quando, de repente, um estrondo me açoitou os ouvidos. Abruptamente arregalei os olhos. A principio julguei ser o vento brincando com as árvores ou com a madeira da casa, mas, depois de aguçar melhor os sentidos, compreendi que o vento não era. Primeiro ouvi passos apressados contornando nossa casa, em seguida barulhos de parafernálias espatifando-se no chão, até que ouvi, então, um maldito e sinistro silêncio.


O que ouvi em seguida foi os fervorosos latidos de Busi, meu adorável cão, que ficava em uma casinha nos fundos de nossa propriedade. Pensei em levantar, mas aguardei. Para meu espanto, Busi começou a latir mais alto e desesperadamente, até que, aos poucos, seus latidos foram se abafando, sumindo, até que levemente se tornaram apenas murmúrios se súplica, como se alguém o tivesse fazendo mal.


O silencio novamente pairou. Busi havia se calado.


Tentando compreender o que de fato havia acontecido lá fora, sai da cama e peguei uma lanterna na dispensa. Ao sair, uma lufada de vento me golpeou a face, assim como a amarga e fantasmagórica escuridão. Ao longe, alguns metros a minha frente, distingui os contornos da casa do meu velho amigo canino, mas, surpreendentemente, não o vi.


Resolvi me aproximar. Caminhei a passos lentos até a sua casinha – atento, é claro, a qualquer mínimo barulho que porventura pudesse distrair-me. Aos poucos os meus olhos foram se acostumando com a penumbra e, quando finalmente conseguiram ver alguma coisa, estupefatos ficaram assim que enquadraram a silhueta de Busi, deitado a minha frente. Acautelei-me nos passos e forcei a visão. Sim, era o meu amigo cão!


— Busi! — Chamei-o. — Venha cá amigão.


Ele não se mexeu. Suas orelhas permaneceram inertes. Fui chegando cada vez mais perto, e detive-me finalmente quando entendi que a situação e o estado em que ele se encontrava era assustador. Talvez você, assim como os policiais, não acredite nessa história, mas eu digo, foi assustador! Quase vomitei. Minhas pernas falharam e meu coração acelerou ao vê-lo ali. Busi estava morto, aberto ao meio, sem suas entranhas, sem seus órgãos, como se alguém os tivesse arrancado com a mão, ou até mesmo com dentadas.


Fiquei parado, pasmo, sem saber o que fazer. Aquela estranha e nojenta visão de sangue e vísceras me causaram náusea e quase desmaiei. Tapei a boca com uma mão e com a outra segurava a lanterna, que subitamente resvalou de meus dedos e caiu na grama úmida da noite. Agachei-me para pegar e, quando comecei a exercer esse procedimento, ouvi passos lentos vindos do meu lado direito. Estanquei. Ouvi uma forte respiração. Havia alguém ali junto de mim. Rapidamente peguei a lanterna e virei-me em direção aos passos. Foquei diretamente na face de alguém. Meu sangue gelou. Era um homem. Um homem com a boca cheia de sangue, escorrendo por seu pescoço e camisa. Olhei em sua mão direita e distingui algo sanguinolento. Era algum órgão de Busi. O homem havia comido meu cão com os próprios dentes! Não pensei duas vezes. Comecei a correr até minha casa, com o rastro do maldito as minhas costas. Quando cheguei, fechei a porta e deixei-o lá fora.


No outro dia contatei a policia. Quando fui mostrar o estado do meu cão a eles, uma surpresa: Busi havia desaparecido. Ninguém nunca acreditou nessa história, mas garanto, mais do que tudo nessa vida, você acreditando ou não, que ela é verídica.



sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O ESPANTO DA BELEZA


A beleza de uma mulher feliz sorrindo não se equipara à beleza de uma mulher triste derramando uma lágrima. Foi com essas palavras que conheci Beatrice Aguillar, aquela que seria, por muitos anos, a mulher que faria os meus desejos.


Lembro-me que, na noite em que a conheci, fazia um frio estridente, daqueles que congelam até a memória. Entrei no bar assim que percebi que precisava de alguma bebida. Sentei numa mesa qualquer e esperei o garçom vim me atender. Solicitei um café e, enquanto olhava o vento lúgubre varrer a cidade com sua passagem, de súbito ouvi um leve ruído invadir-me os ouvidos. Olhei em minha volta e nada percebi, mas quando agucei os olhos, surpreendentemente percebi que atrás de mim havia uma salinha, dessas destinadas a fumantes e amantes. Dentro dela, sentada em uma cadeira, adivinhava-se uma silhueta trêmula e triste. Era uma mulher. Uma mulher que chorava lenta e nervosamente.


Levantei e deslizei-me até lá. Em pé, diante dela, proferi apenas uma frase:


A beleza de uma mulher feliz sorrindo não se equipara à beleza de uma mulher triste derramando uma lágrima.


Lentamente ele secou algumas lágrimas que riscavam sua face e foi erguendo a cabeça. Quando me fitou, tive um choque, tamanha era a sua beleza. Contemplei diante de mim aquela boca salgada do choro, aquele rosto com algumas sardas, o cabelo castanho – e não menos diferente –, aquela maravilha de olhar, jogado a mim por um par de olhos verdes tão lindos, que julguei jamais ter outros tão maravilhosos na face da terra. As lágrimas ardiam ao sair de seus olhos, desciam calma e lindamente. Tive que desprender um riso.


— Desculpe-me. Me chamo Beatrice. Beatrice Aguillar — apresentou-se a mim.


O café ficou sobre a minha mesa, esfriando, esperando, contemplando, quiçá, a beleza que eu também contemplava. Foi assim que Beatrice e eu nos conhecemos.


Mas o que quero aqui relatar, em especial, é sobre o dia em que percebi como as mulheres são perfeitas. Certa noite, em sua casa, depois de uma noite de amor ardente, tive a graça de acompanhar, deitado sobre a cama, cada parte de pele do corpo de minha amada. Beatrice saiu do banho com uma toalha branca. Seus cabelos, que tinham mais de encaracolados do que de lisos, estavam caídos sobre seus ombros nus. A água do chuveiro ainda descia pelo seu pescoço, morrendo lentamente em seus seios. Com o rosto lindo, liso, contemplei quando ela abriu o guarda-roupa, ficando de costas para mim. Fitei o fio da coluna onde muitas vezes deslizei minhas mãos, acariciando-a furiosamente, os cabelos que caiam por sobre a toalha, as pernas lisas, e também molhadas, que volta e meia sentiam alguma gota d’agua descer... Eu estava maravilhado com a beleza feminina!


De repente, sem que eu esperasse, Beatrice, ainda de costas para mim, tirou a toalha e jogou-a no chão. Diante de meus olhos externava-se suas lindas nádegas. Fui descendo o olhar pelas coxas, descendo e parando nos pés, onde unhas lindamente pintadas agraciavam meu olhar. Depois, para completar, ela virou-se para mim, deixando-me louco. Que rosto! Quanta beleza, meu Deus! Seus seios igualmente macios, seu ventre liso. Ah, a cintura que tanto segurei, entrelaçando-a com as mãos! Meu olhar foi descendo, descendo, descendo até chegar nas esplendida flor do seu corpo. Não agüentei. Fui caminhando até Beatrice e tomei-a pelo rosto. Uma mão em cada lado, acariciando suas bochechas e fitando seus olhos, sua boa. Sorri e ela me sorriu. Lembrei-me de como tudo é estranho e perguntei-me se, de fato, algum dia realmente ficaríamos juntos, mas esqueci, como num lapso de memória, que essa é um pergunta que ficará perpetuamente sem reposta. Feito isso, soltei:


— Você é a mais pura das belezas, seja sorrindo, seja chorando.