
Aos poucos ela foi se aproximando daquela foto que descansava sobre a estante. Tímida, curiosa, foi pegando um a um dos porta-retratos que embelezavam aquele cômodo da casa. Uma menina linda, com um corpinho perfeitamente pequeno e um longo cabelo encaracolado que lhe caia pelas costas. Misteriosa e ingênua como somente uma criança pode ser, Isabella era a filha mais bonita que eu poderia imaginar. Uma menina que esbanjava esperança, amor e promessas de um futuro maravilhoso.
Bella pegou aquele porta-retrato com toda a segurança de uma criança, e observou cada traço daquele objeto. Rezei para que ela não me dirigisse uma só palavra a respeito da foto que ali estava havia anos, mas não pude evitar.
— Papai — ela começou, olhando ora pra foto, ora pra mim ―, quem é esse homem?
Fiquei sem ação. Lentamente me dirigi até ela, afaguei seus cabelos e tomei aquela foto em minhas mãos como se fosse um tesouro. Com coragem, soltei aquelas duras palavras que rasgaram meu coração.
― Esse minha filha... ― tomei fôlego. ― Esta foi à pessoa mais importante na vida de seu pai. Foi a pessoa com quem seu pai aprendeu a viver. Um anjo na minha vida... — E agüentando firme às lagrimas que se acumulavam em meus olhos, olhei novamente para o porta-retrato. — Foi o irmão que seu pai nunca teve.
― Mais importante que eu e a mamãe?
― Claro que não querida ― disse sorrindo. ― Claro que não.
Ela começou a rir timidamente, e tomada por uma felicidade indecifrável, saiu correndo até a cozinha, ao encontro de sua mãe.
Com os olhos presos à nossa eterna fotografia, desprendi um riso dos lábios como num súbito instante de alegria. Minhas mãos seguravam aquele porta-retrato com fúria, enquanto as lágrimas iam começando a se externar. Em silêncio, passei o polegar direito sobre a foto e acariciei o vidro, me perguntando por que a vida tinha que ser assim.
Amaldiçôo-me diuturnamente por ter enterrado dentro de mim uma saudade que corrói meus ossos e cospe faíscas de momentos vividos. Penso nas coisas que fizemos e nas que deixamos de fazer. Talvez a vida esteja certa, e ainda um dia, ela há de nos unir.
Suspirei e olhei para o teto, em busca de fôlego. Continuei acariciando a foto e, sem força, percebi que meu rosto estava úmido. Quando pisquei, uma linda lágrima caiu sobre aquele objeto, sobre nós dois, sobre nossas vidas. Pus aquele porta-retrato novamente em seu lugar, dei alguns passos para trás, e parei junto à porta, de costas para a sala. Ali fiquei chorando como uma criança.
Ao me virar novamente, vi a beleza de minha filha estampada diante de minhas órbitas. Com o seu rostinho triste como um anjo, ela me fitava com angústia e ternura.
― Papai, por que você está chorando?
― Nada não minha filha ― respondi. ― Venha cá com o papai.
Abracei-a com força. Seu corpo me confortava e aos poucos fui me acalmando. Queria que aquele fato jamais tivesse acontecido. Queria que tudo fosse mentira, mas a vida sabe furtar de nós as sementes que colhemos e como recompensa, nos deixa mergulhado em lembranças que permanecem em nós como a memória viva de um sopro de saudade.
― Nunca esqueça que o papai ama muito você está bem?
Beijei-a suavemente, como se esse fosse um beijo para a eternidade, e ela limitou-se a assentir vagarosamente entendendo precocemente o verdadeiro significado de minhas palavras.
Um comentário:
ooown *--*
Emocioonada aqui !
Adorei !
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