domingo, 31 de julho de 2011

A FONTE DE INSPIRAÇÃO


Com o tempo, quem entende do assunto, começa a compreender que o grande erro da maioria dos escritores é ter em mente que escrever é algo que deve ser feito para que os outros leiam, quando na verdade esquecem que a verdadeira arte de escrever consiste em fazê-lo pelo simples prazer de mergulhar em um mundo seu, um mundo íntimo, e que as leituras são uma simples conseqüência pelo seu esforço e dedicação, um valor auferido àquilo que suas palavras conseguiram transmitir.

Alguns escritores nutrem algumas inspirações, sem as quais é difícil continuar escrevendo. Esse é o caso de Eddie, um escritor cujos livros lhe renderam bons níveis de renda, e cuja fama não mais lhe agrada como nos primeiros passos de sua carreira. Suas palavras sempre foram frutos de uma mágica inspiração: uma mulher que jamais chegou a beijar e a ter em seus braços. Seu nome era Catherine, uma dama de traços finos, bondade aos montes e beleza aos milhares. Ela perambulava em seu pensamento, povoava seus sonhos e era retratada em suas frases. Nem mesmo ele soube explicar o que, de fato, tornava Catherine tão especial e diferente.

– Eu não consigo entender... – disse Eddie certa vez a um amigo – Eu só consigo escrever quando penso nela. É impressionante, parece uma droga, uma praga, uma doença. É como se as coisas... os livros que eu escrevo, dependessem dela.

– Tem certeza que você não está apaixonado?

– Mas como poderia? – soltou Eddie, devolvendo o copo à mesa. – Como poderia estar apaixonado sem nunca tê-la tocado, falado com ela... Bom, realmente não sei se isso é estar apaixonado como você diz, mas o fato é que é algo muito estranho.

Existe alguma fonte inspiradora para cada escritor? Existe alguma pessoa ou coisa capaz de fazer as letras deslizarem pela ponta da caneta e caírem preguiçosamente no papel? No caso de Eddie, sem sombras de dúvidas sim, e a sua fonte inspiradora tinha nome e beleza, e se chamava Catherine, uma mulher encantadora.

Algumas noites depois da conversa com o amigo, Eddie se viu perturbado durante a madrugada. Visões o perseguiam e a insônia o mantinha acordado, fazendo-o andar de um lado para o outro, naquela sensação estranha de que alguma coisa talvez pudesse estar acontecendo. Nessa mesma noite, onde a chuva e os raios o acompanhavam nessa dolorosa luta, tardou a dormir. E, o que tinha sido ruim, veio a se intensificar com a chegada do amanhecer, que trouxe, além da névoa fria e densa, a notícia da morte de Catherine. A causa de sua morte ninguém nunca soube, pois fora achada sem vida, em seu leito, misteriosamente inerte, como se estivesse dormindo.

Eddie se viu abandonado, sem outras inspirações. Derramou lágrimas de dor por dias a fio e pelos mesmos dias não conseguiu escrever. Toda vez que fazia menção em começar algum texto, uma sensação estranha o percorria, uma negror nublava sua visão e nada vinha em sua cabeça. Ele não conseguia mais escrever, e somente pensava na morte de Catherine. Por meses, anos, ficou sem escrever uma única palavra sequer. Não tinha por que escrever, e fazê-lo não mais lhe dava prazer. Escrever havia se tornado uma tortura, por isso, até seus últimos dias, desde a morte da sua inspiração, Eddie nunca mais escreveu, e morreu sem escrever uma palavra a mais.

Sua morte aconteceu exatamente seis anos depois que Catherine o deixou, literalmente, sem palavras. O escritor suicidou-se, jogando-se de um desfiladeiro como se estivesse se entregando às sombras, quando na verdade estava enterrando a dor, extraindo de sua alma aquele remorso que o percorria.

As palavras são escritas sempre com o retrato de alguma inspiração e pelo simples prazer de escrever; quando assim não for, um escritor está condenado a morrer com a sua vaidade e com o seu remorso presos a um coração enganador, cheio de tristezas e desilusões.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

O TOQUE DAS ALMAS


Suponho que alguma vez você se perguntou para aonde vão as almas daqueles que a morte vem buscar. De fato essa é uma questão difícil de ser interpretada, mas para um menino em especial, a coisa é bem clara. Kévin, de 12 anos de idade, pálido, taciturno, imerso em solidão, não possui amizades normais. O que quero dizer é que Kévin é amigo das almas das pessoas que nos deixaram.


Não sei se isso pode ser considerado um dom, mas que é assombrador, isso é. Segundo Kévin as almas estão em todo lugar e em toda a parte, aonde quer que vamos ou estejamos. Você já parou pra pensar que em vez do vento, o que sentimos é o toque das almas? Para o pálido garoto, é exatamente isso que acontece: as almas nos tocam!


Uma noite, Kévin estava na sala com os pais quando de repente sua mãe sentiu um arrepio. Imediatamente o menino olhou às suas costas e observou a alma de uma senhora roçando lentamente os dedos pela nunca da mãe.


– Tem alguém atrás de você, mãe – anunciou ele.


– Como assim, Kévin?


– O arrepio que você sentiu é uma alma lhe tocando...


– Cruz-credo, Kévin, pare com isso! Vai me assustar.


Em segundos, a senhora desapareceu.


Em outra oportunidade, quando estavam na mesa de jantar, seu pai sentiu frio. Kévin observou e viu que um menino, um jovem, acariciava os ombros do pai. A alma do jovem lhe sorria e ele retribui o sorriso.


– O que foi Kévin? – perguntara o pai.


– O seu frio... é uma alma que está lhe tocando os ombros...


Ter a capacidade de ver as almas talvez não seja tão agradável assim, mas Kévin não se sentia perturbado com o estranho fato. Às vezes, em momentos diversos, encontrava-se com almas fazendo coisas mirabolantes, e, em todo lugar que ia, lá estavam elas tocando as pessoas, acariciando-lhes a pele... O fato é que ninguém nunca se perguntou porque Kévin sorria sozinho ou fazia gestos sem ter uma pessoa por perto. Observavam e achavam que o menino, munido de insignificante presença e portador de medíocre saúde, solidão e falta de amizades, tivesse problemas com alguma coisa provinda da mente.


Mas essa sua vida de admiração de almas perdurou por pouco tempo. Certa manhã Kévin foi encontrado sem vida, na cama do seu quarto. Morrera jovem, prematuro. Seu corpo havia deixando a vida, mas a sua alma... Há que se perguntar: você já parou pra pensar que as almas das pessoas que amamos podem viver por ai, entre nós, nos cuidando, nos guiando, nos tocando nos arrepios ou nos acariciando no vento? Isso é uma incógnita, cuja veracidade era atribuída apena a Kévin, e a dúvida, além de nós, aos seus pais também.


E foi isso que sua alma fez depois que seu corpo se foi: cuidou dos pais, tocou-os, acariciou-os e, para que acreditassem nisso, escreveu-lhes uma carta.


“Papai e mamãe.


As pessoas que amamos nunca morrem, nunca nos abandonam. Sei que em vida vocês nunca chegaram a acreditar em mim, mas agora que estou morto, peço que acreditem. Minha alma vive por ai, a guiá-los, a cuidá-los, e toda vez que sentem arrepios ou frios repentinos, sou eu quem os toco ou acaricio.

Quero dizer que as pessoas não se vão para sempre, pois mesmo depois de mortas suas almas permanecem por aqui, ou seja, nossa presença sempre será sentida.


Kévin.”