
Neste exato momento estou sentado na minha cadeira. A varanda parece tão grande que às vezes penso que ela é o meu mundo, e que não existe mais nada além dela. Enquanto ao longe observo as montanhas que minha visão alcança, e com o acúmulo de anos que a vida me concedeu, vejo-me pensando em uma única coisa que agora me ocorre. Na morte.
Ora, minha vida se estendeu como um gigantesco trem sobre os trilhos da existência. Cada vagão, cada compartimento foi um tempo, uma época, uma passagem. Mas, mais interessante e verdadeiro do que isso, é lembrar que cada parada, de estação em estação, foi um momento único, ou seja, aqueles em que conhecemos as pessoas que hoje recordamos com prazer. São as pessoas que jamais se apagarão de nossa memória e que ficarão encravadas em nossa alma como uma benção ou uma manifestação de fé.
Ouço os pássaros cantando, as crianças brincando e o vento vir, caprichosamente, lamber minha face, como se fosse um cão amigo, ou nessa altura da minha vida, uma víbora debochadora. Às vezes é difícil recordar algumas coisas da vida, mas como se esquecer daquelas pessoas especiais? Como não lembrar a vez em que ela, a maldita e bela morte, misteriosamente os pegou pela mão, seduzindo-os a alma e carregando-os aos céus?
Desde pequeno tive amigos, pessoas cuja existência me fazia uma pessoa melhor, mais viva, mais alegre e mais efetiva em meus atos. Mas cresci, e assim, à medida que conhecia novos amigos, àqueles de outros tempos escapuliam-se da minha vida. Conheci uma bela mulher, tive filhos, tive netos, velhos amigos, velhos companheiros, mas sempre que conhecia alguém, quanto mais eu ia ficando velho, mais e mais as pessoas começavam a me abandonar.
O que agora faço é recordar os mortos. Afinal de contas, como sempre acreditei, nós não morremos definitivamente, apenas passamos dessa vida para outra. Essa vida, cuja existência me maltrata nessa velhice estranha, é apenas uma passagem, e sei que aqueles que me deixaram estão em um lugar melhor, onde logo logo também estarei.
Confesso que é difícil continuar a vida sabendo que se perdeu todos os amigos, a grande maioria dos familiares e quase todos os conhecidos. A vida nos ensina muitas coisas, e a tempestade de lágrimas que antes eu derramava hoje não mais escorre pelas rugas da minha face. Você aprende com o tempo que, embora as lágrimas o consolem, essa não é a melhor opção. A melhor opção é ter forças, e acredite: a gente as tira dos lugares mais improváveis, é como se Deus as enfiasse em nossos ossos e veias!
Os primeiros que perdi foram os meus pais, depois, tristemente, a minha mulher. Tive cinco filhos, e destes, apenas dois ainda estão vivos. Meus grandes amigos da infância foram todos: um por acidente, outro por doença, outro por isso e mais outro por aquilo. Nos meus amontoados de anos contemplei, com dissabor, o doloroso funeral de cada um destes que superficialmente citei. Chorei, usei meu paletó preto, joguei flores, carreguei caixões, consolei viúvas, entrei em igrejas, conheci cemitérios, visitei sepulturas e sempre os relembrei.
O que tenho a dizer de tudo isso? Bom, não devemos chorar pelos que partiram, e sim sorrir e agradecer a Deus por ter nos ter permitido viver, conhecer e ter feito parte da vida daqueles que nos deixaram. Não vamos chorar pela sua ausência, vamos rir e recordar sua existência e as coisas boas que com certeza ficarão em nós.
A vida é uma arte sem igual que nos prega peças a cada dia. A morte, a temida escuridão que nos engole e nos carrega com seu negror, é algo natural, cuja experiência cada um de nós iremos experimentar. A alma não morre, o que morre, apodrece e vira pó é o corpo, aquela estrutura que nos faz aproveitar a vida, mas a alma... ah, essa jamais morrera, pois viaja longe, para um lugar onde um dia todos nós reencontraremos outras almas, onde viveremos perpetuamente. E,
Um comentário:
Parabéns Marcelo, tu é muito talentoso :) ficou muito bom!
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