
Ele anda na extrema solidão, os sapatos são a única canção que algum ouvido pode ouvir àquela altura da manhã. No corpo, a veste doce de uma fantasia que soube preencher as noites com felicidade. O homem, cuja relação entre ele e o que acabou de acontecer, não há de morrer tão logo, desce as ladeiras com seu chapéu na mão, cabeça baixa e ébrio de prazer e de furtivas lembranças e saudades. No chão, confetes e serpentinas se confundem com os sapatos velhos do homem triste que há poucas horas atrás jogava os mesmos confetes e serpentinas para o alto, num júbilo a mais nobre festa popular que, chamada de carnaval, sem que possamos pensar, sempre tem seu fim.
O bloco passou e a banda já tocou o samba empolgante que agitou os corações. Os beijos foram dados, as náuseas foram atropeladas e o ar que sempre levantou as multidões, agora acabou. Tudo acabou!
Assim, todo carnaval tem seu fim! Quer tenha sido bom, quer tenha sido ruim.
Na praia, no campo, sala ou salão, ruas e avenidas e até quem não saiu do chão. A festa do momo, do que bem quer e do que quer mal também, ao que pulou e correu e ao que em casa ficou, assim como quem nada quer.
Mas ele continua caminhando. Suas noites de alegrias, risos e alguma coisa a distrair a cabeça passaram. O colorido se foi, o sonho maravilhoso se foi e se foi também toda a multidão que por aqui já passou. A cabeça baixa traduz o sentimento que agora o completa: vazio. É como se algo faltasse. E de fato, falta. E faltará. Faltará a chuva de papéis, o samba-enredo, o batuque sem fim, a cerveja gelada na esquina, o ritmo acelerado dos sapatos ao dançar no tom, as damas, as chamas, as colombinas... ah, as colombinas, essas muita falta farão...
Lentamente o sol esbraveja-se no ar. A rua que até pouco tempo jazia escura, agora se preenche de luz, que acompanha com afinco os passos de mais um folião. E ele continua descendo rumo ao seu destino. Passos fracos, boca seca e talvez com os olhos quase se fechando, rendendo-se ao sono que está prestes a vir lhe pegar. Que seja assim o final da última noite de alegria... mas de repente, o coração tão curtido na folia, olha para o lado e descobre um casal, no portão de uma humilde casa. O moço, tão disposto, acaricia o lindo cabelo dela, que se rende encantadoramente aos encantos dele. Decerto acabaram de chegar em casa também, vindo do seu nobre carnaval, e assim então quisera Deus, que esse fosse o destino desse jovem casal. A moça o abraça e ele a surpreende com um beijo. Aos sons dos seus sapatos e olhando o que não queria, o pierrot se lembra da noite passada, e da colombina, que lembrar nem deveria.
O pierrot chora, foi-se ao longe o que lhe encantou... quisera ela um arlequim, numa noite sem fim? A lágrima escorrega, agora já passou o tempo de recordar.
Ah, se o carnaval fosse o ano inteiro! Mas, assim como a vida, ele não é pra sempre. O seu final, porém, até pode ser confundido largamente com uma morte, mas uma morte que faz ressuscitar a cada ano os gritos de canto em festa, de sons de orquestra, e de barulho de cortinas, quando se inicia uma nova peça.
Os sapatos silenciaram. Tudo acalmou. Dorme, descanse, afinal, o carnaval já terminou. Agora nasce um novo dia, um novo ano ressurge, tanto pra você quanto pra mim, mas quanto à folia, é inevitável dizer, pois todo carnaval tem seu fim.