sábado, 10 de março de 2012

DOCE COMO MEL E ARDENTE COMO PIMENTA


Um dia desses, sentado em um bar e bebendo uma dose especial de uísque, me peguei pensando sobre alguns mistérios e armadilhas do destino, e lembrei-me de uma história, há muitos anos atrás, quando eu ainda era jovem.

Embarquei no ônibus praticamente lotado e percorri o longo corredor até a minha poltrona. Número 26. Quando me ajeitei no banco, olhei friamente para o lado.


– Está apertado por aqui, não é? – disse a voz ao meu lado.

Sorri, e ela me devolveu aquele que seria o melhor riso do mundo. Aparentava ter a minha idade. Seu rosto parecia ter traços desenhados. Madeixas louras caiam sobre os ombros, nos olhos uma pintura que retratava um olhar misterioso e atraente, na boca o vermelho sangue externava as garras num sorriso angelical. Seu nome era Chloé. Atraente, misteriosa e totalmente encantadora, de uma maneira que sempre desejei.

Trocamos algumas palavras ao longo da viagem, mas em algum trecho da estrada, comecei a perder toda a minha compostura e compreensão que até então estava tentando manter sob controle. Chloé me fez sair dos trilhos, assim como um trem desgovernado. A cada palavra, a cada olhar, eu me embebedava de seu charme e me tornava cada vez mais ébrio daquela mulher.

Em determinado momento, entramos em um assunto que definitivamente definiu o rumo da viagem. Chloé perguntou sobre o que eu achava de algumas coisas e prontamente me propus a responder. De imediato devolvi outras perguntas.

– Creio que temos mais coisas em comum do que imaginamos. Mesmos gostos, músicas, livros, cinema... – foi me dizendo. – Quando encontro pessoas com muitas coisas em comum comigo, costumo dizer que é uma armadilha do destino. É como se ele quisesse pregar uma peça, se é que você me entende...

– E isso é bom ou é ruim? – perguntei.

Chloé me forneceu um olhar massacrante, extraindo-me a noção das coisas.

– Depende – sorria maliciosamente. – Mas neste caso, em especifico, é bom.

No momento tentei fazer um jogo – mas hoje percebo que talvez nunca ninguém consiga jogar com ela. Fitávamos-nos a poucos centímetros do rosto um do outro.

– Isso me parece complicado...

– Não tem nada de complicado nisso – Chloé mostrou suas garras num belo riso.

O beijo aconteceu naturalmente. Era forte, intenso, provido de habilidades técnicas que talvez poucas mulheres soubessem usar. Chloé beijava com intensidade, vontade, força. Suas garras rasgavam minha pele e à medida que o ônibus andava, pra lá e pra cá, num balanço sem vim, nossos corpos se tocavam com malicia. As mãos percorriam cada linha do corpo e a vontade extrema de aproveitar um ao outro era evidente. Era um desejo ardente, insuportável. E foi nessa ânsia que ardemos em desejo, ali mesmo, no ônibus. Chloé sentou no meu colo, e a mulher que antes era doce como mel, agora se mostrava ardente como pimenta. Por fim, cochilamos abraçados.

Senti uma mão balançando meu ombro. Quando abri os olhos, avistei o motorista, que me informava que eu havia chegado ao meu destino. Imediatamente olhei para o lado. A poltrona da janela estava vazia! Onde estaria Chloé? Teria partido? Olhei para mim, olhei para o banco novamente e olhei para ele.

– Onde está a mulher que estava sentada aqui? Ela já desceu?

– Mulher? Ali? – o motorista apontou para a poltrona ao meu lado e riu. – Não tinha ninguém... A poltrona 27 veio vazia a viagem toda, desde onde você embarcou.

Sem entender, desci do ônibus. Na claridade de uma luz forte, observei que alguns fios de cabelo jaziam estampados na minha camiseta preta. Tirei um par deles e os observei. Eram louros. Pensativo, me perguntei: o que foi isso? Afinal, tudo não passou de um sonho ou Chloé seria uma peça fantasmagórica do destino?

3 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Muito bom Marcelo, parabéns pelo seu trabalho, suas historias estão cada vez melhores!!!

Unknown disse...

Perfeito 👏, assim como os nossos sonhos se fazem tão prazerosos, o destino brinca, na realidade com certas pessoas que realmente passa na nossas vidas reais .