sábado, 22 de setembro de 2012

ESCRAVO DO PRAZER



Ao som de uma leviana chuva de verão e entorpecido por uma luz fraca, empalidecida, de cor âmbar, me vi ali naquele quarto pequeno, mas aconchegante. A minha direita uma porta que levava ao banheiro, na minha esquerda uma pequena poltrona, adornada por roupas que eram minhas, e sobre a cama, estava eu: nu. Diante de mim, uma felina querendo arrancar-me toda a malícia existente na alma de um homem pervertido e sedento de prazer.

Com uma silhueta de aguçar os olhos, a dama a minha frente dançava com ânsia, sem medo de se entregar. Usava uma lingerie tão sexy que em momento algum consegui visualizá-la usando outra coisa senão aquela peça que a vestia tão bem. Era um vermelho sangue, vermelho vivo, instigante, que girava pra lá e pra cá, a medida que ela rebolava seus quadris diante dos meus olhos. Não bastasse essa fina demonstração de sensualidade, sua consistência feminista ia além. Como se fosse uma tigresa, uma felina esperta, lenta, cautelosa e pronta para atacar a qualquer momento, ela exibia em suas garras proporcionalmente grandes, uma coloração de igual teor da lingerie, dando a ela, assim, um aspecto ainda mais sexy do que eu tinha previamente compreendido.

Porém, foi quando, depois de exibir-se com extraordinário êxito diante de mim, que senti uma pontada de vontade sem precedentes me golpear. A felina, que usava nos pés um par de sapatos negros, com um salto fino como punhal, colocou o pé esquerdo sobre minha coxa, como se a qualquer momento aquele fino salto fosse perfurar minha pele. Senti-me nervosamente tenso e, ao mesmo tempo, mergulhado num poço de tesão inimaginável. Queria de todas as formas saltar para cima daquela mulher, com os dentes arrancar aquele tecido vermelho que ela vestia, puxar seus cabelos e deslizar minha língua por toda a superfície do seu corpo, explorando cada pedaço de carne daquele pecado que diante de mim se externava. Queria de todas as formas fazer isso, contudo, não podia, pois eu estava amarrado na cama. Nu e amarrado na cama, como um escravo.

A mulher lentamente ia dançando para mim, fazendo poses e gestos que eu não conseguia compreender como estava conseguindo aguentar. Fechei os olhos e olhei para o teto, sorrindo a procura de um refugio, e foi quando, de repente, senti duas mãos tocarem meus ombros e me empurrarem com força, fazendo-me deitar na cama. Não tive tempo para fazer nada, pois tão rápida quanto uma gata no cio, a mulher subiu sobre mim e apoderou-se, como se eu fosse totalmente seu. Senti que ela também estava embriagada de prazer, pois rebolava, jogava-se para trás com dedicada experiência e beija-me o corpo todo, sem deixar centímetro algum de fora.

Queria arrancar aquela lingerie, mas por estar amarrado, nada podia fazer. Assim, entreguei-me a ela e deixei que conduzisse os trabalhos a seu bel prazer. E foi isso que ela fez, usando desde chicotes, até outros instrumentos que me fizeram pensar, depois, na proporcionalidade de sadomasoquismo que teria eu me sujeitado.

– Hoje você é meu escravo – dizia ela passando a língua nos lábios, rindo de escárnio, com uma feição leviana, safada e ao mesmo tempo ciente da sacanagem que queria promover para ambos ali naquela cama, que servia de testemunha de tudo.

O meu estado de prazer estava em um limite que até hoje não consigo explicar, literalmente gozamos de cada momento ali vivido.

De súbito, vi que ela se despia, e sob a fraca luz apresentou-se uma silhueta desenhada. Estava nua, assim como eu. Sem tirar os olhos de mim, lembro quando ficou de quatro e veio, lentamente pelo chão, subindo a cama com suas garras, beijando-me, mordendo-me, e, então, subiu em cima de mim, num momento que eu havia esperado a noite toda. Nossos corpos se encontraram e a partir de então ninguém mais teve controle de suas ações. Tudo era prazer.

sábado, 8 de setembro de 2012

AS PALAVRAS QUE DEIXEI


           
A névoa se infiltrava por entre os gravetos das árvores e estendia seu manto sobre o mar de sepulturas do cemitério. Envolto numa capa de chuva, um rapaz jovem, beirando os 21 anos de idade, contemplava, aos pés de uma sepultura, o lugar onde em outros tempos, enervado em prantos, acompanhou o desgostoso funeral de sua mãe. Agora ali, prostrado diante daquela pessoa que lhe deu a vida, rezava um par de orações e conversava com ela em pensamentos, desviando o olhar aleatoriamente e contemplando a paisagem nebulosa e inóspita do lugar: o mar de sepulturas ao seu redor, as árvores secas e desprovidas de folhas, a nevoa cinzenta que furtava cores e deixava o aspecto do lugar com ares ainda mais sombrios.

Contudo, ao voltar o olhar para o túmulo de sua mãe, o jovem acariciou sua foto. As folhas artificiais e secas que adornavam a pedra, jaziam mortas havia anos, e nada havia de novo ali naquele local além de um pedaço de papel branco dobrado, que chamou a atenção do jovem. Curioso, ele esticou a mão, pegou o bilhete, desdobrando-o, e começou a ler as palavras que o deixaram confuso:

“Tenha bondade em seu coração e deixe que a paz e o amor percorram desde sua alma até as veias do corpo. Seja racional, porém, e cuide para que o mundo, maldoso e cruel, não invada sua mente e quebre os ossos que emolduram seus sonhos.”

Ao acabar de ler aquelas palavras, o jovem rapaz ficou intrigado, e fitou o bilhete por alguns segundos, sem cessar, vindo posteriormente a ser distraído pelo vulto de uma silhueta. Virou a cabeça e avistou ao longe, às suas costas, uma figura de manto negro sendo rapidamente engolida pela névoa, deixando um ar de mistério no ar.

Quem teria escrito o bilhete? O que significavam aquelas palavras?

Ao retornar para o seu apartamento, o rapaz forçou a mente para tentar buscar alguma coisa relacionando o bilhete à sua mãe, e como num lapso de ideia, num lance abrupto de lampejo, lembrou que já tinha lido aquelas palavras em algum lugar, em algum momento de sua vida. Caminhando para casa, no meio da multidão de figuras desconhecidas, sob um céu prateado que derramava o hálito fantasmagórico do princípio da nostalgia, o jovem foi tentando recordar das palavras.

Ao abrir a porta do apartamento, se viu mergulhado numa penumbra cálida e angustiante, que logo tratou de morrer com o surgimento da luz. Sentado no sofá, ele releu aquelas palavras por várias vezes, e por vezes iguais tinha a leve impressão de que havia alguém lhe observando de algum lugar impossível da casa.

Minutos se passaram e foi com tamanha clareza que a imagem veio que, dando um salto enorme, o jovem correu em direção ao seu quarto. Revirou todo e qualquer compartilhamento do armário e não encontrou, procurou sobre ele e nada. Revistou o baú que guardava seus objetos de mais valor e também não encontrou. Parecia irônico, mas ele não conseguia encontrar em lugar algum. Desesperado, o jovem viu sua dor diminuir à medida que imaginou que talvez ele pudesse ser encontrado embaixo da cama. Ajoelhou-se e extraiu-o de dentro de uma caixa. Seu coração parecia que ia saltar, destruindo seu peito de tensão, e a respiração, defeituosa, passava despercebida diante do tremelicar das mãos. Por fim, suspirou e abriu o livro, encontrando-a.

Sua mãe tinha lhe dado um exemplar de “As Palavras Que Deixei”, cuja leitura, o jovem havia saboreado mais de cinco vezes. Na dedicatória, ela havia escrito exatamente as mesmas palavras que ele encontrou em sua lápide.

Emudecido, o jovem ficou pensando em como aquilo teria sido criado, em como o destino havia lhe rido de escárnio, e voltou a se fazer a mesma pergunta: quem teria escrito o bilhete? Ficou a procura de respostas, enquanto que com uma mão passava os dedos pelas páginas do livro, com a outra secava as lágrimas que escorriam pelo rosto.