A névoa se infiltrava por entre os
gravetos das árvores e estendia seu manto sobre o mar de sepulturas do
cemitério. Envolto numa capa de chuva, um rapaz jovem, beirando os 21 anos de
idade, contemplava, aos pés de uma sepultura, o lugar onde em outros tempos,
enervado em prantos, acompanhou o desgostoso funeral de sua mãe. Agora ali,
prostrado diante daquela pessoa que lhe deu a vida, rezava um par de orações e
conversava com ela em pensamentos, desviando o olhar aleatoriamente e contemplando
a paisagem nebulosa e inóspita do lugar: o mar de sepulturas ao seu redor, as
árvores secas e desprovidas de folhas, a nevoa cinzenta que furtava cores e
deixava o aspecto do lugar com ares ainda mais sombrios.
Contudo, ao voltar o olhar para o túmulo
de sua mãe, o jovem acariciou sua foto. As folhas artificiais e secas que
adornavam a pedra, jaziam mortas havia anos, e nada havia de novo ali naquele
local além de um pedaço de papel branco dobrado, que chamou a atenção do jovem.
Curioso, ele esticou a mão, pegou o bilhete, desdobrando-o, e começou a ler as
palavras que o deixaram confuso:
“Tenha bondade
em seu coração e deixe que a paz e o amor percorram desde sua alma até as veias
do corpo. Seja racional, porém, e cuide para que o mundo, maldoso e cruel, não
invada sua mente e quebre os ossos que emolduram seus sonhos.”
Ao acabar de ler aquelas palavras, o
jovem rapaz ficou intrigado, e fitou o bilhete por alguns segundos, sem cessar,
vindo posteriormente a ser distraído pelo vulto de uma silhueta. Virou a cabeça
e avistou ao longe, às suas costas, uma figura de manto negro sendo rapidamente
engolida pela névoa, deixando um ar de mistério no ar.
Quem teria escrito o bilhete? O que
significavam aquelas palavras?
Ao retornar para o seu apartamento, o
rapaz forçou a mente para tentar buscar alguma coisa relacionando o bilhete à
sua mãe, e como num lapso de ideia, num lance abrupto de lampejo, lembrou que
já tinha lido aquelas palavras em algum lugar, em algum momento de sua vida.
Caminhando para casa, no meio da multidão de figuras desconhecidas, sob um céu
prateado que derramava o hálito fantasmagórico do princípio da nostalgia, o
jovem foi tentando recordar das palavras.
Ao abrir a porta do apartamento, se viu
mergulhado numa penumbra cálida e angustiante, que logo tratou de morrer com o
surgimento da luz. Sentado no sofá, ele releu aquelas palavras por várias
vezes, e por vezes iguais tinha a leve impressão de que havia alguém lhe
observando de algum lugar impossível da casa.
Minutos se passaram e foi com tamanha
clareza que a imagem veio que, dando um salto enorme, o jovem correu em direção
ao seu quarto. Revirou todo e qualquer compartilhamento do armário e não
encontrou, procurou sobre ele e nada. Revistou o baú que guardava seus objetos
de mais valor e também não encontrou. Parecia irônico, mas ele não conseguia
encontrar em lugar algum. Desesperado, o jovem viu sua dor diminuir à medida
que imaginou que talvez ele pudesse ser encontrado embaixo da cama. Ajoelhou-se
e extraiu-o de dentro de uma caixa. Seu coração parecia que ia saltar,
destruindo seu peito de tensão, e a respiração, defeituosa, passava
despercebida diante do tremelicar das mãos. Por fim, suspirou e abriu o livro,
encontrando-a.
Sua mãe tinha lhe dado um exemplar de
“As Palavras Que Deixei”, cuja leitura, o jovem havia saboreado mais de cinco
vezes. Na dedicatória, ela havia escrito exatamente as mesmas palavras que ele
encontrou em sua lápide.
Emudecido, o jovem ficou pensando em
como aquilo teria sido criado, em como o destino havia lhe rido de escárnio, e
voltou a se fazer a mesma pergunta: quem teria escrito o bilhete? Ficou a
procura de respostas, enquanto que com uma mão passava os dedos pelas páginas
do livro, com a outra secava as lágrimas que escorriam pelo rosto.
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