sábado, 8 de setembro de 2012

AS PALAVRAS QUE DEIXEI


           
A névoa se infiltrava por entre os gravetos das árvores e estendia seu manto sobre o mar de sepulturas do cemitério. Envolto numa capa de chuva, um rapaz jovem, beirando os 21 anos de idade, contemplava, aos pés de uma sepultura, o lugar onde em outros tempos, enervado em prantos, acompanhou o desgostoso funeral de sua mãe. Agora ali, prostrado diante daquela pessoa que lhe deu a vida, rezava um par de orações e conversava com ela em pensamentos, desviando o olhar aleatoriamente e contemplando a paisagem nebulosa e inóspita do lugar: o mar de sepulturas ao seu redor, as árvores secas e desprovidas de folhas, a nevoa cinzenta que furtava cores e deixava o aspecto do lugar com ares ainda mais sombrios.

Contudo, ao voltar o olhar para o túmulo de sua mãe, o jovem acariciou sua foto. As folhas artificiais e secas que adornavam a pedra, jaziam mortas havia anos, e nada havia de novo ali naquele local além de um pedaço de papel branco dobrado, que chamou a atenção do jovem. Curioso, ele esticou a mão, pegou o bilhete, desdobrando-o, e começou a ler as palavras que o deixaram confuso:

“Tenha bondade em seu coração e deixe que a paz e o amor percorram desde sua alma até as veias do corpo. Seja racional, porém, e cuide para que o mundo, maldoso e cruel, não invada sua mente e quebre os ossos que emolduram seus sonhos.”

Ao acabar de ler aquelas palavras, o jovem rapaz ficou intrigado, e fitou o bilhete por alguns segundos, sem cessar, vindo posteriormente a ser distraído pelo vulto de uma silhueta. Virou a cabeça e avistou ao longe, às suas costas, uma figura de manto negro sendo rapidamente engolida pela névoa, deixando um ar de mistério no ar.

Quem teria escrito o bilhete? O que significavam aquelas palavras?

Ao retornar para o seu apartamento, o rapaz forçou a mente para tentar buscar alguma coisa relacionando o bilhete à sua mãe, e como num lapso de ideia, num lance abrupto de lampejo, lembrou que já tinha lido aquelas palavras em algum lugar, em algum momento de sua vida. Caminhando para casa, no meio da multidão de figuras desconhecidas, sob um céu prateado que derramava o hálito fantasmagórico do princípio da nostalgia, o jovem foi tentando recordar das palavras.

Ao abrir a porta do apartamento, se viu mergulhado numa penumbra cálida e angustiante, que logo tratou de morrer com o surgimento da luz. Sentado no sofá, ele releu aquelas palavras por várias vezes, e por vezes iguais tinha a leve impressão de que havia alguém lhe observando de algum lugar impossível da casa.

Minutos se passaram e foi com tamanha clareza que a imagem veio que, dando um salto enorme, o jovem correu em direção ao seu quarto. Revirou todo e qualquer compartilhamento do armário e não encontrou, procurou sobre ele e nada. Revistou o baú que guardava seus objetos de mais valor e também não encontrou. Parecia irônico, mas ele não conseguia encontrar em lugar algum. Desesperado, o jovem viu sua dor diminuir à medida que imaginou que talvez ele pudesse ser encontrado embaixo da cama. Ajoelhou-se e extraiu-o de dentro de uma caixa. Seu coração parecia que ia saltar, destruindo seu peito de tensão, e a respiração, defeituosa, passava despercebida diante do tremelicar das mãos. Por fim, suspirou e abriu o livro, encontrando-a.

Sua mãe tinha lhe dado um exemplar de “As Palavras Que Deixei”, cuja leitura, o jovem havia saboreado mais de cinco vezes. Na dedicatória, ela havia escrito exatamente as mesmas palavras que ele encontrou em sua lápide.

Emudecido, o jovem ficou pensando em como aquilo teria sido criado, em como o destino havia lhe rido de escárnio, e voltou a se fazer a mesma pergunta: quem teria escrito o bilhete? Ficou a procura de respostas, enquanto que com uma mão passava os dedos pelas páginas do livro, com a outra secava as lágrimas que escorriam pelo rosto.

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