Tudo o que aqui estou prestes a contar,
me foi revelado pelo próprio personagem desta história. O cidadão chama-se
Wilde Parker, um senhor de quase 60 anos que hoje, por triste obra desse
evento, vive num obscuro Hospital Psiquiátrico. Tive o dissabor de manter
contato com ele assim que percebi que minha curiosidade me maltratava.
Sempre
fui vizinho de Parker, e lembro-me bem daquela manhã. Chovia quando acordei e
vi uma ambulância e algumas viaturas da polícia em frente à casa do pobre
homem. O que aconteceu nos dias seguintes não foi revelado e até hoje, cinco
anos depois, a mansão misteriosamente mantém-se fechada. Contudo, no último
inverno as vistas da curiosidade começaram a se abrir, e foi por fontes
terceiras que descobri que Wilde Parker havia perdido a razão e seus sentidos
estavam debilitados, e que depois daquela manhã ele nunca mais foi o mesmo. Descobri
que ele vivia internado em um hospital para loucos e que seu estado de saúde
não era dos melhores. Envolto nesse varal de noticias e nutrindo uma
curiosidade que me deixava em êxtase, fui visitá-lo.
Cheguei
ao hospital na primeira hora da manhã, e quando fui informar a minha real
intenção de estar ali, um homem todo fardado de branco me olhou com cara de
espanto e esperou alguns segundos antes de falar
–
Você não deveria estar aqui neste inferno, rapaz...
Antes
que eu pudesse perguntar o porquê, ele já havia saído da minha frente. Fiquei
esperando por alguém, até que outro homem vestido de branco, sem expressão de
sorriso no rosto, me chamou. Com ele, atravessei um corredor em meia luz, envolto
de paredes descascadas e sujas. Ao fundo descemos dois lances de escadas e
penetramos em um corredor mais escuro, que exalava um cheiro que pareceu me
causar náuseas.
–
Você tem trinta minutos – disse o homem quando paramos em uma porta.
Ele
abriu e eu entrei. Lá dentro, de costas para mim, uma silhueta encolhida jazia
sentada numa pequena escrivaninha. Chamei o seu nome. O velho Parker estava
desfigurado. Usava uma camisa de força branca e tinha cortes e hematomas no
rosto. Sentei em uma cadeira e tentei conversar, arrancar dele toda aquela
história que me mantinha cada vez mais curioso. Demorou, mas aos poucos ele
falou.
Naquela
noite, Wilde Parker acordou com um barulho estranho. Era como peixes se debatendo
em água rasa a procura de socorro. Parker percebeu que o som vinha debaixo, então
foi ai que lentamente começou a descer as escadas. Aguçando os parcos sentidos,
notou que o barulho era no porão. Com cautela, ele abriu a porta que dava para
a escuridão. A penumbra fisgou-o subitamente. Contudo, continuou descendo
degrau a degrau, e quando enfim chegou ao último, sentiu um liquido lhe tocar
os pés. Ligou o interruptor que estava ao seu lado direito. Nas palavras de
Parker, o que ele viu foi assustador. O porão estava tomado por sangue, e
corpos boiavam como peixes mortos. Viu o corpo de sua mulher e de seus filhos.
Segundo ele, era a visão do inferno. Tomado de horror até os ossos, ele tentou
subir as escadas rapidamente. Precisava de ar, de água, e quando adentrou a
cozinha, o que viu na pia lhe deixou enervado em medo. Uma bacia com sangue e
uma faca com lâmina afiada pingando ali descansavam. Antes que Wilde Parker
pudesse fazer qualquer coisa, ouviu um grande barulho às suas costas.
–
Eles estão entre nós... estão entre nós! Entre nós... eles estão entre nós!
Perguntei
o que aconteceu em seguida, e a reação que Wilde Parker teve, assustou-me. Ele
começou a bater com a cabeça na parede sem parar, fazendo-a sangrar. Gritei
pedindo ajuda, até que dois homens apareceram e eu saí correndo dali.
Refleti
sobre a assustadora – e mal contada – história de Parker. Perguntei-me,
todavia, se a luz que eu via toda noite acesa na janelinha do porão daquela
casa, tinha alguma coisa haver com a história, ou se também era fruto da minha
farta imaginação.