domingo, 29 de julho de 2012

DOLOROSA ÚLTIMA MISSÃO


Em todos esses anos em que destinei parte do meu ofício a por um fim a vidas das pessoas, jamais havia me deparado com algo tão angustiante e doloroso. Eu não sinto prazer em lidar com a morte, e talvez seja desumano viver como matador de aluguel. Sei que faço isso por dinheiro, apenas, e não sinto prazer algum em fazer isso, sendo que a cada dia que passa, cada vez mais eu venho querendo por um fim nesse ofício escroto.

Era madrugada quando a ligação me despertou. Um homem misterioso solicitava meu serviço. Levantei e fui até o banheiro. Diante do espelho me deparei com um homem maduro, com a barba por fazer e com os olhos fundos, enfeitando um rosto que parecia insistir em acabar com tudo aquilo. Vesti-me e, acompanhado da chuva, entrei no carro.

A rua onde o homem morava era escura e contemplava uma neblina forte, fato que me fez demorar a chegar em frente à casa de portões negros. Saí do carro e empurrei o portão cuja ferrugem pareceu impregnar minhas mãos. Contornei o jardim até chegar à porta de entrada e usei a aldraba para anunciar a minha chegada. Segundos depois, um homem com aspecto frágil me atendeu e disse para se dirigir à direita, até a sala da lareira.

– Por favor, sente-se, senhor Brandon – disse uma voz no escuro. Tentei forçar a vista para capturar a figura do misterioso homem que supostamente havia me contratado. A fumaça azul e o cheiro inebriante do cigarro, levou meus olhos até a janela, onde um homem jazia de pé, olhando para fora. Esperei ele se virar, fitei-o no escuro e sentei-me.

– Meu nome é Novack. Bruce Novack – disse o homem que externava um vistoso bigode. ­– Chamei-o até aqui com o intuito de dar-lhe uma missão... Uma boa grana para tirar a vida de uma mulher. Tenho motivos óbvios para querer a morte dela. – Novack se levantou e pegou uma folha. – Esse é o endereço – entregou-me. – Tem um dia.

Saí do casarão de Novack. Horas depois, de dentro do carro, observei quando, às sete horas da manhã, no endereço indicado, a mulher cujo nome eu desconhecia, saiu vestindo um agasalho com capuz. Não consegui ver seu rosto, mas vi que entrava no veiculo que Bruce Novack tinha me descrito. Mais tarde, ao anoitecer, enquanto chovia e as árvores secas enregelavam-se de frio, vi a mulher entrar no apartamento. Tentei segui-la, e foi com facilidade que consegui entrar no prédio. No elevador, certifiquei-me de que o revólver estava na minha cinta e coloquei a touca que sempre usei para esse fim: matar.

Sai no corredor e fui em direção ao nº 408. Com certa perícia – adquirida com o tempo –, abri a porta facilmente. Ouvi o barulho do chuveiro, e pensei em caminhar até o banheiro quando de repente me deparei com uma série de fotografias emolduradas em porta retratos que embelezavam a sala. Para o meu espanto e surpresa, aquelas fotos e aquele apartamento não eram de uma pessoa qualquer. Eram, além da pessoa que eu deveria matar, da mulher que amei durante anos e que sempre amarei com toda minha força.

Joguei os olhos para todos os lados e observei não só as fotos, mas os pertences e os móveis que durante anos comtemplei de perto, junto dela. De súbito senti uma fisgada no peito. Tirei a touca da cabeça e caminhei a passos lentos por todo o apartamento. Sim, eu ainda a amava e certifiquei-me disso quando entrei no banheiro e fiquei, amavelmente, observando-a banhar-se pelo vidro quase transparente o Box. Ali estava a mulher que eu sempre amei, e ali estava o meu trabalho, a minha dolorosa última missão. 

Uma sensação estranha me percorreu. Nunca fui homem de brincar em serviço, mas também, nunca fui homem de deixar de lado o grande amor de minha vida. Virei as costas e sai, mas antes de fechar a porta, o barulho do tiro e o cheiro de pólvora invadiram não só o apartamento, mas também os corredores do prédio.

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