sábado, 10 de novembro de 2012

NA SACADA DO QUARTO ANDAR


Durante muito tempo contemplei a imagem daquela esguia e bela silhueta na sacada do quarto andar. Ela me fitava com olhar felino, de uma forma que me deixava perturbado. Debruçada, ela trazia entre os dedos o cigarro que desprendia uma fumaça azulada que se perdia no gingado do vento. Gostava de saboreá-lo, mas gostava mais ainda de me observar, jogar seu olhar atraente, acompanhado de sorrisos de escárnio que externavam seus dentes ligeiramente amarelados pelo alto teor de nicotina.

Essa imagem me acompanhou durante muitas noites, tantas que me perco em dizer se foram dias ou meses. Na companhia das estrelas, ela estava lá; nas noites de chuva, ela estava lá; no frio e no calor, ela estava lá saboreando seu cigarro, me sorrindo e acompanhado o balançar da minha silhueta com os olhos.

Criei certa intimidade com uma pessoa que conhecia apenas a poucos metros de distancia, sempre fazendo os mesmo gestos, mas que pouco a pouco começava a me seduzir de uma maneira tão fantasiosa que nunca imaginei viver.

As noites eram todas as mesmas, e quando eu saia da aula, o nosso encontro – se assim posso configurar – se consumava. Contudo, certa noite, ao passar pelo prédio e observar a sacada, percebi que não havia ninguém ali. A ausência de minha dama, porém, me pegou de surpresa. Destinei um olhar minucioso até a sacada e distingui uma espécie de toco de cigarro ali descansando, desfazendo-se em cinzas e desprendendo uma fumaça silenciosa. Ela não estava ali. Depois de muito tempo, tantas noites, essa era a primeira vez que ela não estava ali.

Pela manhã, ao levantar para ir trabalhar, encontrei meus pais na cozinha, conversando. Meu pai lia uma reportagem, e quando citou o nome e o andar do prédio que eu conhecia muito bem, corri até ele e peguei o jornal de são mão. Apavorante foram as palavras que li e a foto que vi.

Em uma das páginas internas do jornal, uma reportagem chocante me assaltou aos olhos. Sob o título “APÓS TER RELAÇÕES SEXUAIS, MULHER MATA GAROTO COM 48 FACADAS”, tinha a foto daquela mulher que toda noite eu via e almejava, e ao lado, as palavras traziam o relato do acontecido:

“Na noite da última quinta-feira, uma mulher, conhecida como Eloá Franco, assassinou o menor P.S.A., com 48 facadas. Conforme confissão, a autora relatou que sempre sentiu atração por garotos jovens, e que vivia atrás de aventuras casuais. Eloá afirmou ainda que após ter feito relações sexuais com o jovem, alguma coisa sussurrou em seu ouvido para que ela procedesse com o assassinato. ‘Eu fui até a cozinha e peguei a faca, depois entrei no quarto em silêncio, e quando vi que ele estava deitado, dei a primeira facada nas costas, depois nuca, e virei seu corpo para atacá-lo no peito, abdômen e também no rosto’, disse a autora do crime. A polícia foi chamada e encontrou o jovem ensanguentado sobre a cama, e Eloá Franco na sacada, fumando um cigarro, observando a rua (...).”

 Larguei o jornal e sentei. Beberiquei um copo de água e, percebendo que eu começava a ficar sem cor, minha mãe me interrogou sobre o que tinha acontecido e se eu estava bem. Respondi que sim e ludibriei-a com uma historia inventada. Porém, em minha mente nada mais perambulava a não ser a ideia de que a vitima daquele fato poderia ter sido eu.

Seu nome era Eloá, e o seu desejo era matar garotos como eu.

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