domingo, 23 de dezembro de 2012

E O FIM DO MUNDO...





Não aconteceu!

É, se você está lendo esse texto é sinal que a teoria dos Maias não surtiu efeito e que todo o alvoroço criado em cima de um suposto apocalipse, não passou de mentiras.
 
Ora, muito se falou nos últimos dias sobre o final dos tempos, em como seria e em como aconteceria. Teorias foram criadas em cima disso, e a expectativa circulou em todos os meios sociais, políticos, culturais e também na mídia. Contudo, nenhuma delas se efetivou, e tudo não passou de conversa fiada.
 
Mas existiram pessoas que acreditavam nessa crença, e que criaram um universo próprio para esperar o fim. Uma dessas pessoas se chamava Elír Hoobin Von De Mitrus. Elír cuidou de todos os detalhes: estocou comida, água, roupas limpas e buscou um lugar seguro para se abrigar, um porão de uma casa abandonada, há poucos quilômetros do centro da cidade. Feita de madeira, a casa, carcomida pelo tempo, seria frágil para as adversidades que viriam, porém, o seu porão fora cuidadosamente revestido com fortes proteções que nem a mais forte das fúrias da natureza seria capaz de destruir. Assim, ao entardecer do dia 20, Elír Hoobin Von De Mitrus, sua espoca, Loríen e sua filha Catarine foram para a casa.

A tarde ia se indo quando finalmente eles entraram no porão. Elír trancou a porta e revestiu-a com fortes proteções. Dentro do buraco, algumas velhas forneciam luz à família, e enquanto Catarine se distraia com as bonecas, Elír e Loríen preparavam alguma coisa para comer.

O tempo abrigava algumas nuvens e a certeza de chuva era eminente. Cerca de duas horas depois de entrarem no porão, a chuva começou a cair. Havia uma pequena brecha onde se podia olhar para fora, mas Elír não se propôs a fazê-lo, sobre o pretexto de que nenhum ser humano haveria de olhar para fora quando a noite se anunciasse. Assim, após comerem qualquer coisa, Elír e sua mulher foram para um canto do buraco e começaram a rezar. Cada um tinha um terço entrelaçado nas mãos e as preces eram feitas com ferocidade, com pedidos de perdão e suplica.  

A noite já ia longe quando Loríen ouviu um estrondo. Ambos se entreolharam e agarraram-se um no outro, colocando Catarine entre eles. As orações soavam em altas vozes, enquanto lá fora o barulho ensurdecedor inundava seus ouvidos. De repente a vela se apagou. Catarine começou a chorar e o temor começou a tomar conta de suas almas. “Santo Deus, é o fim do mundo!”, pensou Elír, antes de abraçar fortemente a sua família, misturando seus prantos e seus anseios, suas ânsias e seus temores, até que finalmente, inundados de horror, seus olhos se fecharam.

Horas mais tarde, um pequeno feixe de luz adentrou o porão, iluminando diretamente os olhos de Elír. Ele os abriu, cautelosamente, e acordou sua mulher e sua filha. Abraçaram-se. Sem pensar muito, Elír correu para a porta, e com dificuldade e tensão, abriu-a. O sol era forte lá fora. A parte de madeira da casa havia sido parcialmente destruída, e fora isso, tudo estava dentro da normalidade. Pegou o celular e ligou para alguém. Sorriu assim que desligou. O mundo não havia acabado. Havia acontecido um temporal de grande proporcionalidade e ambos estavam vivos.

A teoria Maia não tinha dado certo.

Vivenciamos o fim dos tempos a cada dia, com as guerras, ignorâncias, mentiras, inveja, fome. Toda hora o mundo vai, lentamente, se deteriorando. Cada dia que passa é um novo fim e não um novo começo. O mundo acaba para quem morre, para quem deixa de ajudar o irmão, para quem deseja o mal do próximo, para quem não entende os verdadeiros valores da vida e as verdadeiras virtudes desse mundo.

Ontem não acabou, e nem amanhã acabará. O começo e o fim reside em nós!

sábado, 10 de novembro de 2012

NA SACADA DO QUARTO ANDAR


Durante muito tempo contemplei a imagem daquela esguia e bela silhueta na sacada do quarto andar. Ela me fitava com olhar felino, de uma forma que me deixava perturbado. Debruçada, ela trazia entre os dedos o cigarro que desprendia uma fumaça azulada que se perdia no gingado do vento. Gostava de saboreá-lo, mas gostava mais ainda de me observar, jogar seu olhar atraente, acompanhado de sorrisos de escárnio que externavam seus dentes ligeiramente amarelados pelo alto teor de nicotina.

Essa imagem me acompanhou durante muitas noites, tantas que me perco em dizer se foram dias ou meses. Na companhia das estrelas, ela estava lá; nas noites de chuva, ela estava lá; no frio e no calor, ela estava lá saboreando seu cigarro, me sorrindo e acompanhado o balançar da minha silhueta com os olhos.

Criei certa intimidade com uma pessoa que conhecia apenas a poucos metros de distancia, sempre fazendo os mesmo gestos, mas que pouco a pouco começava a me seduzir de uma maneira tão fantasiosa que nunca imaginei viver.

As noites eram todas as mesmas, e quando eu saia da aula, o nosso encontro – se assim posso configurar – se consumava. Contudo, certa noite, ao passar pelo prédio e observar a sacada, percebi que não havia ninguém ali. A ausência de minha dama, porém, me pegou de surpresa. Destinei um olhar minucioso até a sacada e distingui uma espécie de toco de cigarro ali descansando, desfazendo-se em cinzas e desprendendo uma fumaça silenciosa. Ela não estava ali. Depois de muito tempo, tantas noites, essa era a primeira vez que ela não estava ali.

Pela manhã, ao levantar para ir trabalhar, encontrei meus pais na cozinha, conversando. Meu pai lia uma reportagem, e quando citou o nome e o andar do prédio que eu conhecia muito bem, corri até ele e peguei o jornal de são mão. Apavorante foram as palavras que li e a foto que vi.

Em uma das páginas internas do jornal, uma reportagem chocante me assaltou aos olhos. Sob o título “APÓS TER RELAÇÕES SEXUAIS, MULHER MATA GAROTO COM 48 FACADAS”, tinha a foto daquela mulher que toda noite eu via e almejava, e ao lado, as palavras traziam o relato do acontecido:

“Na noite da última quinta-feira, uma mulher, conhecida como Eloá Franco, assassinou o menor P.S.A., com 48 facadas. Conforme confissão, a autora relatou que sempre sentiu atração por garotos jovens, e que vivia atrás de aventuras casuais. Eloá afirmou ainda que após ter feito relações sexuais com o jovem, alguma coisa sussurrou em seu ouvido para que ela procedesse com o assassinato. ‘Eu fui até a cozinha e peguei a faca, depois entrei no quarto em silêncio, e quando vi que ele estava deitado, dei a primeira facada nas costas, depois nuca, e virei seu corpo para atacá-lo no peito, abdômen e também no rosto’, disse a autora do crime. A polícia foi chamada e encontrou o jovem ensanguentado sobre a cama, e Eloá Franco na sacada, fumando um cigarro, observando a rua (...).”

 Larguei o jornal e sentei. Beberiquei um copo de água e, percebendo que eu começava a ficar sem cor, minha mãe me interrogou sobre o que tinha acontecido e se eu estava bem. Respondi que sim e ludibriei-a com uma historia inventada. Porém, em minha mente nada mais perambulava a não ser a ideia de que a vitima daquele fato poderia ter sido eu.

Seu nome era Eloá, e o seu desejo era matar garotos como eu.

sábado, 22 de setembro de 2012

ESCRAVO DO PRAZER



Ao som de uma leviana chuva de verão e entorpecido por uma luz fraca, empalidecida, de cor âmbar, me vi ali naquele quarto pequeno, mas aconchegante. A minha direita uma porta que levava ao banheiro, na minha esquerda uma pequena poltrona, adornada por roupas que eram minhas, e sobre a cama, estava eu: nu. Diante de mim, uma felina querendo arrancar-me toda a malícia existente na alma de um homem pervertido e sedento de prazer.

Com uma silhueta de aguçar os olhos, a dama a minha frente dançava com ânsia, sem medo de se entregar. Usava uma lingerie tão sexy que em momento algum consegui visualizá-la usando outra coisa senão aquela peça que a vestia tão bem. Era um vermelho sangue, vermelho vivo, instigante, que girava pra lá e pra cá, a medida que ela rebolava seus quadris diante dos meus olhos. Não bastasse essa fina demonstração de sensualidade, sua consistência feminista ia além. Como se fosse uma tigresa, uma felina esperta, lenta, cautelosa e pronta para atacar a qualquer momento, ela exibia em suas garras proporcionalmente grandes, uma coloração de igual teor da lingerie, dando a ela, assim, um aspecto ainda mais sexy do que eu tinha previamente compreendido.

Porém, foi quando, depois de exibir-se com extraordinário êxito diante de mim, que senti uma pontada de vontade sem precedentes me golpear. A felina, que usava nos pés um par de sapatos negros, com um salto fino como punhal, colocou o pé esquerdo sobre minha coxa, como se a qualquer momento aquele fino salto fosse perfurar minha pele. Senti-me nervosamente tenso e, ao mesmo tempo, mergulhado num poço de tesão inimaginável. Queria de todas as formas saltar para cima daquela mulher, com os dentes arrancar aquele tecido vermelho que ela vestia, puxar seus cabelos e deslizar minha língua por toda a superfície do seu corpo, explorando cada pedaço de carne daquele pecado que diante de mim se externava. Queria de todas as formas fazer isso, contudo, não podia, pois eu estava amarrado na cama. Nu e amarrado na cama, como um escravo.

A mulher lentamente ia dançando para mim, fazendo poses e gestos que eu não conseguia compreender como estava conseguindo aguentar. Fechei os olhos e olhei para o teto, sorrindo a procura de um refugio, e foi quando, de repente, senti duas mãos tocarem meus ombros e me empurrarem com força, fazendo-me deitar na cama. Não tive tempo para fazer nada, pois tão rápida quanto uma gata no cio, a mulher subiu sobre mim e apoderou-se, como se eu fosse totalmente seu. Senti que ela também estava embriagada de prazer, pois rebolava, jogava-se para trás com dedicada experiência e beija-me o corpo todo, sem deixar centímetro algum de fora.

Queria arrancar aquela lingerie, mas por estar amarrado, nada podia fazer. Assim, entreguei-me a ela e deixei que conduzisse os trabalhos a seu bel prazer. E foi isso que ela fez, usando desde chicotes, até outros instrumentos que me fizeram pensar, depois, na proporcionalidade de sadomasoquismo que teria eu me sujeitado.

– Hoje você é meu escravo – dizia ela passando a língua nos lábios, rindo de escárnio, com uma feição leviana, safada e ao mesmo tempo ciente da sacanagem que queria promover para ambos ali naquela cama, que servia de testemunha de tudo.

O meu estado de prazer estava em um limite que até hoje não consigo explicar, literalmente gozamos de cada momento ali vivido.

De súbito, vi que ela se despia, e sob a fraca luz apresentou-se uma silhueta desenhada. Estava nua, assim como eu. Sem tirar os olhos de mim, lembro quando ficou de quatro e veio, lentamente pelo chão, subindo a cama com suas garras, beijando-me, mordendo-me, e, então, subiu em cima de mim, num momento que eu havia esperado a noite toda. Nossos corpos se encontraram e a partir de então ninguém mais teve controle de suas ações. Tudo era prazer.

sábado, 8 de setembro de 2012

AS PALAVRAS QUE DEIXEI


           
A névoa se infiltrava por entre os gravetos das árvores e estendia seu manto sobre o mar de sepulturas do cemitério. Envolto numa capa de chuva, um rapaz jovem, beirando os 21 anos de idade, contemplava, aos pés de uma sepultura, o lugar onde em outros tempos, enervado em prantos, acompanhou o desgostoso funeral de sua mãe. Agora ali, prostrado diante daquela pessoa que lhe deu a vida, rezava um par de orações e conversava com ela em pensamentos, desviando o olhar aleatoriamente e contemplando a paisagem nebulosa e inóspita do lugar: o mar de sepulturas ao seu redor, as árvores secas e desprovidas de folhas, a nevoa cinzenta que furtava cores e deixava o aspecto do lugar com ares ainda mais sombrios.

Contudo, ao voltar o olhar para o túmulo de sua mãe, o jovem acariciou sua foto. As folhas artificiais e secas que adornavam a pedra, jaziam mortas havia anos, e nada havia de novo ali naquele local além de um pedaço de papel branco dobrado, que chamou a atenção do jovem. Curioso, ele esticou a mão, pegou o bilhete, desdobrando-o, e começou a ler as palavras que o deixaram confuso:

“Tenha bondade em seu coração e deixe que a paz e o amor percorram desde sua alma até as veias do corpo. Seja racional, porém, e cuide para que o mundo, maldoso e cruel, não invada sua mente e quebre os ossos que emolduram seus sonhos.”

Ao acabar de ler aquelas palavras, o jovem rapaz ficou intrigado, e fitou o bilhete por alguns segundos, sem cessar, vindo posteriormente a ser distraído pelo vulto de uma silhueta. Virou a cabeça e avistou ao longe, às suas costas, uma figura de manto negro sendo rapidamente engolida pela névoa, deixando um ar de mistério no ar.

Quem teria escrito o bilhete? O que significavam aquelas palavras?

Ao retornar para o seu apartamento, o rapaz forçou a mente para tentar buscar alguma coisa relacionando o bilhete à sua mãe, e como num lapso de ideia, num lance abrupto de lampejo, lembrou que já tinha lido aquelas palavras em algum lugar, em algum momento de sua vida. Caminhando para casa, no meio da multidão de figuras desconhecidas, sob um céu prateado que derramava o hálito fantasmagórico do princípio da nostalgia, o jovem foi tentando recordar das palavras.

Ao abrir a porta do apartamento, se viu mergulhado numa penumbra cálida e angustiante, que logo tratou de morrer com o surgimento da luz. Sentado no sofá, ele releu aquelas palavras por várias vezes, e por vezes iguais tinha a leve impressão de que havia alguém lhe observando de algum lugar impossível da casa.

Minutos se passaram e foi com tamanha clareza que a imagem veio que, dando um salto enorme, o jovem correu em direção ao seu quarto. Revirou todo e qualquer compartilhamento do armário e não encontrou, procurou sobre ele e nada. Revistou o baú que guardava seus objetos de mais valor e também não encontrou. Parecia irônico, mas ele não conseguia encontrar em lugar algum. Desesperado, o jovem viu sua dor diminuir à medida que imaginou que talvez ele pudesse ser encontrado embaixo da cama. Ajoelhou-se e extraiu-o de dentro de uma caixa. Seu coração parecia que ia saltar, destruindo seu peito de tensão, e a respiração, defeituosa, passava despercebida diante do tremelicar das mãos. Por fim, suspirou e abriu o livro, encontrando-a.

Sua mãe tinha lhe dado um exemplar de “As Palavras Que Deixei”, cuja leitura, o jovem havia saboreado mais de cinco vezes. Na dedicatória, ela havia escrito exatamente as mesmas palavras que ele encontrou em sua lápide.

Emudecido, o jovem ficou pensando em como aquilo teria sido criado, em como o destino havia lhe rido de escárnio, e voltou a se fazer a mesma pergunta: quem teria escrito o bilhete? Ficou a procura de respostas, enquanto que com uma mão passava os dedos pelas páginas do livro, com a outra secava as lágrimas que escorriam pelo rosto.